“Contribuir para a preservação de um recurso natural, que é finito, a Água”

No dia 22 de março comemora-se o Dia Mundial da Água, uma data que deve ser vista e sentida por todos nós, não só neste dia, mas em todos, até porque estamos a falar de um bem precioso à vida, ou seja, a Água. Sobre este tema e outras matérias relacionadas, a Revista Pontos de Vista esteve à conversa com Nuno Campilho, Diretor Geral da ABMG – Águas do Baixo Mondego e Gândara, uma das vozes que mais se tem feito ouvir quando falamos da necessidade de promovermos a poupança da Água. Saiba tudo e não se esqueça que esta efeméride, “significa olhar à nossa volta e verificar o que cada um de nós, em consciência e em ação, poderá fazer para contribuir para a preservação de um recurso natural, que é finito”.

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A ABMG – Águas do Baixo Mondego e Gândara, assume-se como um importante player no setor da água em Portugal, sendo hoje uma referência na gestão dos sistemas de abastecimento público de água potável e de saneamento de águas residuais. Primeiramente, qual tem sido o papel da AMBG em prol da promoção da sustentabilidade dos recursos hídricos e do desenvolvimento da região?
A ABMG, enquanto entidade gestora responsável pelo abastecimento de água e saneamento de águas residuais dos municípios de Mira, Montemor-o-Velho e Soure, tem o seu sistema baseado numa lógica mista de captações próprias e de aquisição de água, em alta, para o abastecimento; e de ETAR próprias e de entrega, para tratamento, em alta, de águas residuais.
Neste aspeto, importa registar que privilegiamos o abastecimento e a recolha, em baixa, de forma gravítica, não imputado consumos energéticos para esse fim, para além de termos em curso um projeto de criação de Zonas de Medição e Controlo, que nos permitirá melhor monitorizar as pressões e o abastecimento, para detetar e combater, de forma mais eficaz e eficiente, as perdas de águas, reduzindo o impacto económico e ambiental que tal situação provoca.
Para além disso, temos práticas instaladas de reutilização de recursos e de partilha de equipamentos, materiais e viaturas, para que possamos controlar e reduzir os impactes ambientais provocados pela sua subutilização e deterioração por redundância.
No que diz respeito ao desenvolvimento da região, somos apenas mais um dos contribuintes para o efeito, inseridos no tecido social e económico dos três municípios que, por sua vez, se fazem representar, ao mais alto nível, no seio da Comunidade Intermunicipal da Região de Coimbra. Se cada uma das partes cumprir o seu papel, a soma de todas trará, certamente, excelentes resultados.

De que forma é que a instituição tem vindo a promover uma dinâmica de promoção da boa utilização da água na região? Ainda é um processo moroso e dispendioso, ou seja, sensibilizar para o uso regrado e controlado deste recurso que é a água?
Sendo as perdas de água um dos nossos, ainda, principais obstáculos a uma gestão de excelência, naturalmente que desenvolvemos esforços prioritários e diários para combater esse flagelo.
Para além disso, tem sido prática da ABMG, inserida na sua estratégia, o trabalho junto da comunidade educativa, através do desenvolvimento de sessões de esclarecimento e com a organização de concursos que apelam à participação de escolas e alunos, em ambiente extracurricular, com trabalhos versando a temática da água. Estamos convictos que esta ação, junto dos mais novos, é garante de sucesso para o fortalecimento e desenvolvimento de gerações futuras mais informadas e sensibilizadas.

No domínio da região abrangida pela ABMG, quais são as principais lacunas e problemas identificados no que concerne à água, mais concretamente à continuidade e qualidade da água potável?
Fruto do início da atividade da ABMG e dos avultados investimentos efetuados, a qualidade da água deixou de ser um problema frequente, para ser uma questão residual e perfeitamente controlada. As exigências também aumentaram, pelo que não deixa de ser um orgulho e motivo de satisfação para todos nós (e de grande confiança para os nossos utilizadores) que o nosso Plano de Controlo de Qualidade da Água, auditado pela ERSAR, venha a ser sucessivamente aprovado nos últimos três anos.
O maior problema continua a ser, conforme já referido, ao nível das perdas de água e, também, ao nível das afluências indevidas nas redes de saneamento, e, por fim, ao nível da necessidade, que se mantém, de alargar a taxa de cobertura das redes de saneamento.

Segundo alguns estudos, Portugal encontra-se neste momento nos máximos ao nível da qualidade de água que sai da torneira dos consumidores. Quais têm sido as medidas colocadas em prática que levam a este panorama positivo?
Maior exigência, maior controlo e melhores sistemas e métodos de tratamento.
Para além disso, as origens de água têm de ser, obrigatoriamente, tituladas e licenciadas, reduzindo, exponencialmente, as captações clandestinas e de origem duvidosa, no que ao abastecimento de água para consumo humano diz respeito. Todas as outras captações próprias, individuais, naturalmente que ficam ao critério de cada um, embora nós pugnemos para que sejam utilizadas para fins, unicamente, secundários, dado que essa água não é controlada.

Apesar do quadro positivo, e na sua opinião, sente que ainda é necessário fazer mais em prol da promoção da qualidade da água? Em que diretrizes devemos apostar para cumprir este desiderato?
Basta cumprir a Diretiva da Qualidade da Água destinada ao Consumo Humano (Diretiva EU 2020/2184), recentemente transposta para o direito nacional.

De que forma é que a Inovação é hoje um pilar na vossa orgânica e que impacto tem na qualidade do serviço que conseguem prestar aos consumidores?
A inovação ao serviço dos sistemas de abastecimento de água e saneamento de águas residuais é uma constante, uma necessidade e uma inevitabilidade. No entanto convém não esquecer que ainda não existe qualquer alternativa, tecnológica, ou inovadora, que substitua a água enquanto elemento químico (H2O) essencial à vida.
É na gestão, monitorização, operação e organização que melhor poderemos ver os efeitos da inovação e onde podemos e devemos continuar a apostar.
Seja através da utilização de meios de medição remotos e sem intervenção humana, seja ao nível da gestão de redes inteligentes, através da instalação e manobra de válvulas de forma remota e mecânica, seja através da reutilização de água residual tratada para fins secundários.
Depois temos um sem fim de ferramentas de cadastro informatizado, de controlo, gestão e manutenção de infraestruturas, de garante de maior eficiência energética, que são um mundo (e, por vezes, uma incógnita) para quem trabalha nestas “coisas” e para quem gosta (acho que já deu para perceber que eu gosto).

Em que moldes é que essa aposta na tecnologia e na inovação se faz sentir e ver e que apostas têm sido realizadas pela ABMG no plano tecnológico ao nível da água?
Na criação de Zonas de Medição e Controlo e na instalação de caudalímetros ultrassónicos; na realização de projetos-piloto de medição remota e sem intervenção humana (Mira Villas, em Mira; e Prolote, em Pereira, Montemor-o-Velho); na prossecução e desenvolvimento de plataformas de controlo e gestão remota de instalações e infraestruturas. Se tudo isto for bem feito, não é preciso ir muito mais além, é só acompanhar as tendências (se as mesmas se adaptarem às características dos nossos serviços).
Adiante temos outros processos em curso (gestão de ativos, gestão documental, gestão financeira, gestão informatizada de redes) que eu considero serem core e cuja dedicação tecnológica que venha a ser imputada para o efeito, é a que tiver de ser, pois nestes particulares, não é competente (e, muito menos, responsável) entregarmo-nos as experiências.

No dia 22 de março comemora-se o Dia Mundial da Água. Esta efeméride visa alertar as populações e os governos para a urgente necessidade de preservação e poupança deste recurso natural tão valioso. Que novidades podemos esperar por parte da ABMG para este dia?
Sem grande novidade, ou inovações, iremos reforçar a nossa presença junto dos mais jovens e junto do tecido social dos três municípios. A ABMG está ao serviço dos municípios e dos respetivos munícipes, pelo que, aquilo que se pode esperar, é uma presença física e digital que seja suficientemente visível e audível, apelando para o uso racional da água e para a preservação de um recurso, cuja escassez e má qualidade, infelizmente, ainda contribui para algumas mortes, em certa zonas do mundo.

De que forma é que têm vindo a promover ações e iniciativas de sensibilização para a preservação e poupança deste recurso? Sente que ainda faltam estratégias devidamente qualificadas e sustentadas neste domínio?
A ABMG, conforme já aludido, desenvolve ações de sensibilização e promove concursos junto das escolas e dos alunos dos três concelhos. Continuo convicto (como sempre estive ao longo dos meus já 20 anos de atividade), que as crianças e os jovens são o nosso melhor e mais fiável veículo de comunicação e a forma mais séria e responsável de passarmos a nossa importante mensagem.
Não gostaria de me debruçar, especificamente, sobres as estratégias globais, ou locais, que não as da ABMG, embora me deixe triste assistir a alguma inércia.

Acredita que falta um maior diálogo entre o Governo luso e os players do setor da água em Portugal, como por exemplo ABMG, em prol da proteção da água? Como se podem ultrapassar esses obstáculos no sentido de promover uma maior ligação entre todos?
O Governo português e não, especificamente, este ministro, ou qualquer outro – até porque admiro este e já trabalhei com um outro – talvez sejam os menos culpados da sucessiva perda de importância e poder que a Água tem na hierarquia do ministério. É o que é, não há outra forma de o dizer. Para os menos atentos, é verificar que a água padecia de seca severa, na Secretaria de Estado do Ambiente e, agora, entre a Secretaria de Estado do Ambiente e a Secretaria de Estado da Energia e do Clima, padece de seca extrema.
Ultrapassar o que quer que seja – se é que é preciso ultrapassar alguma coisa, dado que o estado das “coisas” se parece vulgarizar a cada dia que passa e ninguém demonstra importar-se muito com isso – ultrapassa-se com diálogo. Infelizmente, as entidades gestoras, como a nossa, só se veem bem e verdadeiramente representadas, no seio da Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas, a qual, por sua vez, sem prejuízo do desprendido (que não desinteressado) esforço do seu Conselho Diretivo, parece tão transparente quanto a água, para a respetiva tutela.
Não auguro nada de muito bom, nos tempos mais próximos que se avizinham, não só, mas, também, pelo adiamento – que tem tanto de inexplicável, como de castrador – de um instrumento indispensável para o setor, mormente o PENSAARp 2030.

Da sua experiência e conhecimento do setor, tem sido uma voz ativa na promoção da preservação e poupança da água. Sente que os portugueses fazem «ouvidos moucos», quando falamos na necessidade urgente de poupança da água? É uma questão de mentalidade?
Enquanto o setor da agricultura continuar a ser responsável pelo consumo de mais de 70% da água disponível em Portugal, até eu, se estiver distraído, faço “ouvidos moucos”. De uma vez por todas – sem prejuízo do continuado desperdício e péssimo uso que algumas pessoas dão à água – que todos nos consciencializemos que 2/3 do consumo está na agricultura, pelo que, pedir às pessoas que poupem e não desperdicem, no que ao uso urbano e doméstico diz respeito, até pode ser considerado uma afronta.
Pede-se responsabilidade, ação e, se me é permitida a brejeirice, algum juizinho.

O que significa para si este Dia Mundial da Água – 2023? Que mensagem gostaria de deixar a todos os portugueses sobre esta efeméride?
Significa olhar à nossa volta e verificar o que cada um de nós, em consciência e em ação, poderá fazer para contribuir para a preservação de um recurso natural, que é finito. E representa, tristemente, os milhões de pessoas (sobretudo crianças) que continuam a contrair doenças e a morrer prematuramente, por não terem acesso a água potável.

Para o futuro, quais são os grandes projetos e desafios da ABMG – Águas do Baixo Mondego e Gândara?
Persistir, porque “isto” não está fácil para as entidades recentemente criadas, resultantes da agregação de municípios; prosseguir no investimento no prolongamento da rede de saneamento, para aumentar a respetiva taxa de cobertura; concluir a criação de Zonas de Medição e Controlo e a instalação de caudalímetros ultrassónicos; continuar e aperfeiçoar o sistema de gestão remota de instalações e infraestruturas; reforçar os esforços de redução de perdas de água e de maior eficiência energética; aumentar o grau de recuperação de custos; garantir e reforçar, em plenitude, a nossa inserção, de forma francamente positiva e agradável, no seio do tecido social e económico dos três municípios.