A Mafalda Carvalho é licenciada em Psicologia, pós-graduada em Marketing, e fez um curso executivo na área de RH na Universidade Católica. Além disto, é ainda Coach certificada. Para melhor entender a sua história, de que forma estas áreas se cruzaram na sua vida e a tornaram na profissional que hoje é?
Quando fui para Psicologia pensava fazer clínica. Depois, percebi que podia intervir em muitas áreas e acabei, por acaso, por ir parar às organizações. Foi através do mestrado que cheguei à consultoria de RH – fui convidada por um professor. Aí apaixonei-me pelo desenvolvimento das pessoas no contexto organizacional e fui aprofundando cada vez mais o conhecimento e a experiência.
A formação contínua deriva do gosto pelo saber e da necessidade de fundamentar as minhas intervenções com dados sólidos e dentro do que de melhor se faz no mundo em matéria de RH.
É Partner da ProPeople, exercendo a função de Senior HRBP nas empresas dos clientes. Como é, para si, desempenhar este cargo de responsabilidade? Do que gosta mais?
O que procuro com o meu trabalho é colocar os RH como parceiros estratégicos do negócio. Muitas vezes – e, às vezes, justamente – os RH são vistos como um centro de custos, ou como o departamento que organiza formações e festas. Esta visão tem de mudar. É importante que o departamento de RH, ou como lhe queiramos chamar (o nome é o que menos importa), se posicione como um parceiro do negócio e ajude cada área, a começar pela gestão de topo, a integrar as pessoas nas suas decisões estratégicas.
O que eu faço como HRBP, é identificar os objetivos de médio e longo prazo da empresa e ver que mudanças devemos fazer, em tudo o que se relaciona com as pessoas, para os atingir – qual o perfil de colaboradores? Como os vamos conseguir atrair / reter? etc. Tudo isto combinado com a atenção à evolução da população ativa, que tem hoje necessidades completamente distintas de há dez anos, e num contexto de elevada competitividade pela captação dos melhores.
É um trabalho muito especializado, exigente e apaixonante.
O que mais me entusiasma no que faço são os resultados – ver a mudança que produzo nas empresas, e receber o testemunho das pessoas; e consegui-lo em geografias tão distintas como Portugal e Colômbia.
Quais são os fatores de diferenciação no mercado?
O que faz a diferença é a dedicação ao cliente: mergulhar a fundo na sua realidade e não levar receitas pré-cozinhadas. As soluções têm de se adaptar à realidade de cada empresa, e, às vezes, à realidade específica de uma localização – a filial de Lisboa não é igual à de São Paulo, ou à sede em UK; pertencem ao mesmo grupo, mas atuam em contextos socioeconómicos e culturais muito distintos. É preciso compreender essas diferenças para ser eficaz nas soluções. É fundamental “ouver” (ouvir e observar) a empresa, conhecer as suas especificidades, entender as suas forças, porque são estas que vão ser usadas para impulsionar e sustentar as mudanças.
A igualdade de género nas organizações, é hoje um dos temas mais em voga no mundo e, por isso, recorrentemente discutido. Sendo um exemplo no campo da liderança no feminino, como observa esta questão? O que urge estabelecer?
O tema é muito debatido nas organizações, porque se tornou relevante na sociedade. As mudanças nas organizações só serão verdadeiramente conseguidas, quando mudarmos enquanto sociedade.
É muito difícil para uma mulher ter uma carreira profissional, quando é a ela que a sociedade imputa a responsabilidade quase total de cuidar dos filhos. Não é só na gestação e no período subsequente que a mulher é profissionalmente prejudicada. Em Portugal, quando uma criança adoece ainda é a mãe que fica em casa. Se um homem, por razões profissionais, viaja muito e não acompanha os filhos, é visto como um executivo bem-sucedido, que tem por detrás uma mulher extraordinária que cuida dos filhos e da casa. Se uma mulher fizer o mesmo, é uma má mãe, que só pensa na carreira, e que mais valia não ter tido filhos. Se as crianças apresentam qualquer problema de desenvolvimento ou de insucesso escolar, é à mulher que é atribuída a culpa.
É por isso que muitas abdicam da carreira – não se querem submeter ao julgamento social, e/ou não suportam a sobrecarga de juntarem uma profissão exigente a uma atividade doméstica intensa.
Se a sociedade julgar menos as mulheres, se os homens assumirem em paridade a sua responsabilidade no cuidado dos filhos e da casa, teremos muito mais mulheres em cargos de topo.
Talvez precisemos também de refletir sobre os métodos de trabalho, e sobre as inúmeras horas improdutivas. Isso também ajudará a termos mais tempo para cuidar da vida para lá da profissão.
De uma coisa tenho a certeza: a diferença que ainda hoje existe não se deve nem a falta de competência, nem de empenho das mulheres.
Muito mais do que promover uma igualdade de género, considera que a liderança feminina no mundo corporativo permite novas abordagens de gestão? O que urge fazer para que esta perspetiva seja uma realidade?
A promoção da igualdade de género é essencial. Nós não somos iguais, mas temos de pugnar por ter direitos iguais. As leis têm de ser cada vez mais exigentes, porque sem elas não acontece nada. O mérito é uma falácia nestas matérias, em que se parte de condições muito distintas – se não fossem as quotas não existiam tantas mulheres na Assembleia da República.
Sendo as mulheres tão numerosas na sociedade, e tão capacitadas (são maioritárias em muitas universidades, e em geral melhores alunas), é fundamental que as empresas saibam aproveitar o seu contributo. As empresas só beneficiam de ter diversidade nos lugares de decisão. Se todos pensam de igual forma, uns quantos estão a mais.
Como referi anteriormente, é preciso que a legislação avance, para forçar a sociedade e as empresas em particular, a mudarem. Como aconteceu com o uso do cinto de segurança – inicialmente, usávamos para fugir às multas e aos poucos fomos percebendo os benefícios. Hoje, faz parte das nossas vidas e já ninguém contesta.
A terminar, o que falta ainda concretizar, por parte da Mafalda Carvalho, no campo pessoal e profissional? Que passos serão dados no futuro?
Acredito cada vez mais em intervenções de fundo, e cada vez menos em ações pontuais. Uma formação isolada, por mais que os participantes a avaliem positivamente, terá um impacto mínimo, se não for inserida numa intervenção estratégica, onde é uma peça entre muitas.
Quero posicionar-me como um suporte estratégico do “C level” e do Middle Managent, em matéria de Gestão de Talentos. É preciso estar sempre atualizada sobre a evolução que estes temas têm tido nos últimos anos, impulsionados sobretudo pela pandemia. Há muitos subtemas em pauta, que é preciso ajudar as empresas a descodificar – a igualdade de género é um deles, mas temos outros, como a inclusão, a responsabilidade social e a sustentabilidade, que são muito caros às novas gerações, a ponto de serem um fator de escolha da empresa para a qual decidem trabalhar.