“Sem o nosso trabalho, não é possível um mundo melhor”

Paula Franco, Bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados, abordou, em entrevista à Revista Pontos de Vista, a proposta de alteração do Estatuto da Ordem, aquilo que poderá mudar com a mesma e o que é que estas negociações, que agora estão no bom caminho, demonstram relativamente aos profissionais da área. Saiba tudo.

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O Governo apresentou, no dia 19 de junho, à Assembleia da República, a proposta de alteração do Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados e que, segundo a mesma, vai ao encontro do interesse público da profissão. Para melhor entender, o que poderá mudar?
A Ordem dos Contabilistas Certificados, como entidade reguladora que se foca apenas no interesse público e regulação da profissão, acredita que a presente proposta legislativa vai ao encontro das suas finalidades, missão e objetivos institucionais. Nesse sentido, entendemos que a proposta em discussão na Assembleia da República é equilibrada e, apesar de ter arestas a limar, de forma global vai ao encontro do interesse público da profissão, uma vez que se asseguram as competências exclusivas e partilhadas dos contabilistas certificados. Por outras palavras, a proposta que o Executivo apresentou prevê que seja necessária a assinatura do contabilista certificado nas demonstrações financeiras e declarações fiscais das entidades, públicas ou privadas, que possuam ou que devam possuir contabilidade organizada. Caso estas competências não estivessem asseguradas, o modelo económico e social do nosso país seria fortemente abalado, uma vez que os contabilistas certificados são sinónimo de rigor, transparência e qualidade, combatendo a evasão e fraude fiscal e permitindo, além do crescimento económico do nosso tecido empresarial, a justiça social. Assim, em termos gerais, para a profissão, pouco ou nada mudará com o presente diploma.
Para a instituição, haverá alterações em alguns órgãos, alterações essas que entendemos e vemos como globalmente positivas pois, potenciam e promovem a transparência e qualidade. No que toca ao acesso à profissão, o modelo atualmente em vigor na OCC pouco muda também. No entanto, vemos a abertura promovida pelas alterações como positiva num momento em que é fundamental atrair novos talentos para a nossa profissão. Nesse sentido, todos os alunos que queiram uma profissão desafiante, exigente, mas gratificante, devem encarar a contabilidade como uma opção séria que certamente lhes abrirá portas para um futuro promissor.

No passado mês de maio, apelou à união entre os profissionais do setor para que juntos pudessem ser ouvidos e tidos em consideração. Considera que, por fim, o setor conseguiu mostrar o preponderante papel dos Contabilistas Certificados na economia e no combate à fraude e à evasão fiscal, fazendo com que as negociações chegassem a bom porto?
Conforme múltiplos estudos indicam, 500 novos contabilistas certificados por cada milhão de habitantes, correspondem a um aumento de 10 euros no PIB per capita, a mais 9,8 por cento de exportações; mais 34,3 por cento de investimento estrangeiro; mais 0,4 por cento na qualidade da educação; mais 1,3 por cento na qualidade da saúde e, finalmente, mais 27,9 por cento na arrecadação fiscal.  É nos contabilistas certificados que está assente todo o modelo económico e social do nosso país. Sem contabilistas certificados, teremos mais fraude e evasão fiscal, menos transparência, menos justiça social e mais incumprimento fiscal. Neste sentido, não diria que o setor conseguiu mostrar o preponderante papel dos contabilistas certificados porque esse papel, o interesse público da profissão e o seu valor acrescentado, pelo menos desde a pandemia, que claramente é reconhecido e valorizado pelo poder político, tecido empresarial e sociedade civil. No entanto, foi mais um passo dado em frente, um passo que mostrou a força, vigor e importância da nossa profissão no modelo económico e social português.

Além do impacto positivo da proposta que está agora a ser analisada, o que é que esta coragem, força e união da profissão demonstra do setor?
Vitalidade, orgulho, sentimento de pertença, demonstra que os contabilistas certificados são muito mais valorizados, dignificados e reconhecidos pelo poder político, tecido empresarial e sociedade civil, do que podem pensar ou sentir. Somos profissionais de interesse público. Somos agentes fundamentais numa economia e sociedade desenvolvida, justa, com valores e princípios éticos e morais rigorosos. Sem o nosso trabalho, não é possível um mundo melhor.  Existem ainda muitos problemas na profissão, ainda temos avenças baixas, deslealdade entre colegas, desproporcional e injustificada responsabilidade e, não raras vezes, somos impedidos de desenvolver o nosso trabalho por erros ou dificuldades nos portais das entidades públicas. No entanto, tal como a união em torno da tentativa de agressão aos nossos atos próprios nos mostrou, temos a força de nos unirmos no combate aos problemas da profissão e temos demonstrado a vitalidade para continuarmos a construir uma profissão cada vez melhor.

Podemos desde logo assegurar que comprova, também, determinação nas horas de ultrapassar os desafios mais prementes da sociedade, nomeadamente a digitalização. Como analisa o sucesso que este setor está a ter, no que respeita à digitalização que hoje o mercado exige?
A digitalização foi um tremendo obstáculo para a nossa profissão. No entanto, com motivação, proatividade e muito trabalho e formação, conseguimos aprender, implementar e, hoje, tirar imensos proveitos das inúmeras ferramentas digitais que diariamente nos ajudam no exercício da nossa atividade. Para os contabilistas certificados, a digitalização já nem é considerada um desafio presente, foi um desafio do passado que transformamos em oportunidades. Contudo, infelizmente, vemos que a digitalização ainda é um problema para algumas entidades públicas cujos portais não apresentam as performances necessárias para assegurarem que os seus utilizadores tenham ao seu dispor as condições necessárias para cumprirem com as suas obrigações profissionais. Este é, ainda hoje, um dos grandes obstáculos ao normal exercício da nossa profissão, um obstáculo que consideramos injustificável e contra o qual muito temos trabalhado, requerendo sempre que os portais funcionem melhor.

Acompanhar as tendências do mercado implica, na sua opinião, Recursos Humanos qualificados, que possuam habilidades e experiência adequadas para enfrentar os desafios de forma mais eficaz e impulsionar a inovação? Que importância esta questão tem no crescimento e solidez do setor da Contabilidade?
O grande problema do setor da contabilidade e, na verdade, de todo o mundo ocidental, é a dificuldade na atração e retenção de talento. Temos uma classe a envelhecer e cuja renovação é lenta e insuficiente. Vários jovens profissionais da área das ciências económicas atribuem à contabilidade a importância de ganhar conhecimentos técnicos, mas é difícil atrair trabalhadores, em grande parte pelas remunerações do nosso país e do setor. Paralelamente, temos de promover níveis de literacia financeira mais elevados, pois com empresários e cidadãos mais informados, melhores decisões serão tomadas em prol da nossa economia e sociedade e mais valor os contabilistas certificados poderão acrescentar. O novo modelo de acesso à profissão ajudará no combate a este problema, mas não será a solução. A solução passa por continuamente melhorarmos as condições pessoais dos contabilistas certificados, tornando a profissão mais atrativa em termos económicos e pessoais. Temos de utilizar todas as ferramentas que estão ao nosso dispor para construir uma profissão que permita equilibrar as várias necessidades dos seus executantes.

A Ordem dos Contabilistas Certificados tem conseguido afirmar o interesse público da profissão e o seu valor, enquanto agentes de uma economia e sociedade em constante evolução. Assim, como perspetiva o vindouro?
O futuro é próspero e entusiasmante, em que os obstáculos que vemos pela frente são encarados sem receios e como oportunidades de continuarmos a catapultar o nosso interesse público e valor acrescentado à nossa economia e sociedade civil. Hoje, os contabilistas focam-se no relato de sustentabilidade, em inovadores modelos de negócio e no acréscimo de valor em áreas financeiras, sociais e ambientais. Somos cada vez mais precisos em cada vez mais áreas da nossa sociedade. Querendo, o futuro é dos contabilistas certificados. As oportunidades estão aí para as agarrarmos e aproveitarmos.