Os desafios da advocacia portuguesa aos olhos da Bordalo Gonçalves, Rui Jorge Rego & Associados

Numa conversa reveladora, Alexandra Bordalo Gonçalves e Rui Jorge Rego, sócios na BGRR & Associados, partilharam com a Revista Pontos de Vista insights sobre a visão da empresa relativamente ao setor, os desafios que o ambiente jurídico em Portugal enfrentou em 2023 e as suas perspetivas para o futuro. Descubra a resiliência desta Sociedade, perante as adversidades do universo do Direito.

291

A BGRR & Associados (Bordalo Gonçalves, Rui Jorge Rego & Associados) destaca-se no cenário jurídico português como uma pequena Sociedade de Advogados, tendo como sócios os experientes Alexandra Bordalo Gonçalves (fundadora) e Rui Jorge Rego (entrada em 2018). A sociedade foi criada em 2005, está há já dez anos em Loures, a apenas seis minutos da capital.

Ao longo dos anos, consolidou-se como uma Sociedade generalista que oferece uma gama diversificada de serviços tanto a clientes particulares quanto a empresas e associações. A empresa, atua, assim, como uma ponte entre diferentes esferas do Direito, abrangendo áreas transversais como Direito do Trabalho, Direito Comercial, Contratos e Insolvências. Esta diversidade permite à Sociedade adaptar-se às necessidades variadas dos seus clientes, criando uma sinergia entre os desafios legais enfrentados por empresas e questões mais pessoais, como Direito da Família.

Outra dimensão desta atuação, é a sua capacidade de lidar tanto com a realidade das pequenas empresas, muitas vezes familiares e ancoradas na participação de trabalhadores como membros da gestão, quanto com empresas de grande dimensão, onde os vínculos são de uma natureza diferente, algo que proporciona uma compreensão abrangente do cenário empresarial.

Desafios e conquistas de 2023

Ao longo do ano de 2023, a BGRR & Associados enfrentou um dos seus principais desafios, concentrando-se nos clientes envolvidos em litígios. Segundo Alexandra Bordalo Gonçalves, “o primeiro semestre foi marcado por sucessivos adiamentos e cancelamentos de julgamentos devido à greve dos oficiais de justiça, resultando em significativos atrasos na resolução das questões legais dos clientes”. Estas vicissitudes, segundo a própria, “desencadeadas por este cenário, não afetaram apenas os processos judiciais, também geraram inerentes dificuldades que se estenderam além do âmbito legal – muitas vezes, as vidas dos envolvidos ficaram em suspenso, assim como as decisões empresariais pendiam à espera da resolução dos litígios, seja para prosseguir com investimentos, dar passos decisivos ou reconsiderar estratégias”.

Não obstante estas claras adversidades, a notável conquista da Sociedade foi o aumento consistente da sua carteira de clientes ao longo do ano. Esta realização destaca a capacidade da empresa de oferecer serviços especializados de forma dual, atendendo às necessidades tanto do cliente empresarial, como do particular.

Atual ambiente de negócios em Portugal

No contexto dos desafios persistentes em Portugal, a BGRR & Associados destaca a gravidade dos problemas enfrentados, especialmente na esfera da justiça e nos recorrentes atrasos judiciais. Este é, para Alexandra Bordalo Gonçalves, “um fator desmotivador significativo para a entrada de empresas estrangeiras, uma vez que a complexidade do «modus operandi» do sistema judicial português e questões relacionadas ao Direito do Trabalho são mal compreendidas. Ademais, a incapacidade de estabelecer estimativas claras para o prazo de resolução de assuntos legais em Portugal, especialmente no âmbito da justiça administrativa, é caótica”.

Certo é que, as consequências destas adversidades, e segundo os sócios da empresa, tem levado à desistência de investimentos estrangeiros no país, resultando na perda de clientes ao longo dos anos. A falta de resolução eficaz na justiça administrativa, que muita vez se prolonga durante anos, tem contribuído, assim, para a desmotivação de investidores estrangeiros.

Além disso, os nossos entrevistados destacam outro desafio crítico em Portugal relacionado à constante incerteza legislativa. A falta de estabilidade legal é apontada como um problema significativo, tendo já tido consequências em áreas como Alojamento Local, Residentes Não Habituais e Arrendamento, uma vez que investir em propriedades torna-se uma tarefa complexa devido a mudanças frequentes nas leis, com a necessidade de ajustar contratos e enfrentar congelamentos de rendas e ver frustrados investimentos e negócios.

Rui Jorge Rego, destaca o impacto negativo desse ambiente de negócios no país, enfatizando as dificuldades em atrair investimentos, ao afirmar que “a dependência de mecanismos como Vistos Gold e Residentes Não Habituais, juntamente com a disparidade salarial em relação ao centro da Europa, contribuem para a instabilidade. As vantagens competitivas de Portugal estão em declínio. A instabilidade política e a corrupção estão a afastar investimentos. Fundos imobiliários, que antes investiam no país, agora redirecionam os seus investimentos para outras regiões devido a este cenário, exacerbado pela inflação e pelas mudanças nas taxas de juro”.

Este clima de incerteza e a falta de previsibilidade prejudicam, segundo os sócios da BGRR & Associados, os investimentos e impactam negativamente as perspetivas de negócios em Portugal.

Setor jurídico e a crise política

Muitos enfrentam desafios legais agravados pela crise política em Portugal. A instabilidade política, impulsionada pelo contexto eleitoral, é identificada como um obstáculo significativo.

“Mudanças legislativas impulsivas, guiadas pela popularidade e oportunismo político, prejudicam a criação de um sistema jurídico estruturado. Na nossa atividade, por exemplo, temos alterações dos estatutos da Ordem dos Advogados, que levantam preocupações, uma vez que permitem que diversas profissões forneçam consultas jurídicas. Isto vai gerar, novamente, incerteza e instabilidade”, realça Alexandra Bordalo Gonçalves, acrescentando ainda que “a falta de resolução em questões cruciais, como a justiça, a educação e a saúde, perpetua um sistema, onde a população lida com incertezas no acesso a serviços essenciais”.

Além disso, para Rui Jorge Rego, “a dualidade ideológica no cenário político português, entre blocos mais à esquerda e à direita, cria incerteza sobre mudanças legislativas, como evidenciado no Código do Trabalho, onde diferentes Governos têm ajustado as regras”.

As constantes mudanças legislativas são, assim, apontadas como fatores prejudiciais, uma vez que resultam num ambiente de negócios volátil. O desejo por anos de sossego e cristalização legislativa é expresso como uma necessidade para proporcionar continuidade e previsibilidade ao sistema jurídico em Portugal.

Perspetivas para 2024

À medida que nos aproximamos de 2024, o panorama em Portugal é marcado por uma persistente crise política que adiciona camadas de complexidade às perspetivas para diversos setores, incluindo a Advocacia.

Para os Sócios da BGRR & Associados, “as previsões para o setor apontam mudanças significativas, especialmente se os Estatutos da Ordem dos Advogados forem aprovados conforme apresentados ao Presidente da República. Prevê-se uma transformação profunda na Advocacia, com a possibilidade de alguns profissionais deixarem de ser Advogados devido à natureza do seu trabalho, permanecendo como juristas sem vínculo à Ordem”.

Neste processo, ambos acreditam que a abertura a profissionais de outras áreas, como Economistas e Gestores com conhecimento em fiscalidade, é garantida. No entanto, há preocupações sobre a possibilidade de opiniões leigas em áreas complexas do Direito, que poderão resultar em conflitos e falhas nos contratos. A falta de preparação de alguns profissionais fora deste universo, pode levar a problemas judiciais mais complexos e ao inevitável aumento do recurso a tribunal.

Mas não fiquemos por aqui, uma vez que a justiça em Portugal enfrenta desafios adicionais “com tribunais sobrecarregados devido à falta de Magistrados, Funcionários e Recursos. Além das questões legislativas, as dificuldades na justiça e os atrasos persistentes também são de preocupar. Magistrados judiciais e do Ministério Público enfrentam uma acumulação excessiva de trabalho, o mesmo sucedendo com os funcionários judiciais, que leva, claro está, à desmotivação e à preferência pela reforma, mesmo com penalizações”, realça Alexandra Bordalo Gonçalves.

Já para Rui Jorge Rego, “no contexto educacional, surge a necessidade de uma maior consciencialização sobre a importância da Advocacia preventiva. A falta de educação e informação sobre a relevância de consultar Advogados antes de realizar negócios contribui para mitos urbanos e atrasos na procura por aconselhamento profissional. A mudança de mentalidade em relação à consultoria jurídica como investimento preventivo é essencial”.

Não obstante este cenário pessimista, Alexandra Bordalo Gonçalves afirma que há que “saber olhar e ver o copo meio cheio: a proximidade das eleições e a miríade de promessas que se desenham, também trarão oportunidades, assim como as vicissitudes das guerras em curso, levarão, possivelmente, a alterações de destinos de férias, de fornecedores de bens, entre outros, a capacidade de perceber oportunidades nas adversidades é, definitivamente, o toque de Midas”. Este é o foco para 2024.