Retenção de Talentos e a Valorização dos Recursos Humanos

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Nuno Campilho,
Diretor-Geral da ABMG – Águas do Baixo Mondego e Gândara

Numa época onde na arena da competitividade entre profissionais cuja principal característica é dominarem as soft skills1, essa competição deixou de ser só entre eles e passou para o intrincado e insondável mundo da IA (onde o ChatGPT assume especial relevância, sobretudo para quem, como eu, está a escrever um artigo), a diferenciação atingiu níveis vitais, em alguns casos mais dramáticos, até para manter o emprego.

Para que a diferenciação possa dotar estes profissionais de capacidades para se manterem competitivos – até porque o primus deixou de ser só inter pares – importa aprofundar essas mesmas soft skills e, para tal, a formação em contexto de trabalho assume particular relevância. É esse o verdadeiro fator diferenciador, ou, se quiserem, a vantagem competitiva.

Já lá vai o tempo em que se aprendia um ‘ofício’ e o mesmo era para a vida. Tanto mais, que a maior parte desses ‘ofícios’ se situavam e se situam no universo das hard skills2. A formação deve ser continua e ao longo da vida, caso contrário, já não é só o colega que nos “passa a perna” pode, mesmo, ser uma máquina qualquer… que não fica doente, que não chega atrasada, que não se queixa, que pode trabalhar ininterruptamente e que é, supostamente, imune ao erro.

Só cada um de nós, enquanto profissionais e conscientes deste desafio, temos a capacidade para nos continuarmos a desafiar e a procurar estar sempre num registo de melhoria contínua, para que possamos conseguir almejar estarmos à frente do nosso tempo. Temos de querer continuar a aprender, a ir sempre mais além, a combater a imobilidade e a rejeitar o conformismo. E devemos fazê-lo, independentemente do lugar que ocupamos na organização. Se ‘mandamos’, devemos começar por ‘mandar’ em nós próprios e, de seguida, incutir àqueles que são ‘mandados’ esta imperatividade, para que eles próprios se sintam motivados para tal e não estejam à espera que os ‘mandem’ fazer formação, como muitas vezes acontece

Esta é uma lógica de per se, digamos, na ótica do utilizador. E é algo que deve ser, cada vez mais, interpretado de forma intrínseca a cada um, pois, como se costuma dizer, ‘se eu não fizer bem por mim, quem fará?’ (“Se eu não for por mim, quem o será? Mas se eu for só por mim, que serei eu? Se não agora, quando?”3).

Enquanto empresa, que busca os melhores profissionais e os procura reter, torna-se deveras importante, não só assegurar esse processo de formação em contexto de trabalho, como, também, as melhores condições para a sua prática, um registo salarial condizente e uma alcançável progressão na carreira.

Estas particularidades são, amiúde, mais visíveis no setor privado, pela sua maior capacidade de premiar o mérito, de destacar o desempenho e de praticar salários mais elevados.

A administração pública, cuja reforma tarda tanto quanto a primeira vez em que se começou a falar disso, não dispõe das mesmas armas, apelando ao sentimento de pertença, ao serviço público e ao bem-estar da comunidade servida.

A gestão de recursos humanos, de uma forma geral – não só, mas, também, por envolver pessoas – é das tarefas mais ingratas de ser prosseguida por um gestor, ao mesmo tempo que pode ser francamente compensadora. Como dizia Peter Drucker (2009), “a gestão tem a ver com seres humanos, sendo que a sua função é a de tornar as pessoas capazes de um desempenho conjunto e, mediante uma estratégia, atingirem os objetivos da organização, os quais se transformam em resultados”.

Não é possível estabelecer regras individuais, pelo que, tanto a lei geral do trabalho, como o regime de exercício de funções públicas, devem ser – e são – suficientemente abrangentes para acomodar todas as necessidades, sensibilidades e, naturalmente, o cumprimento do primado constitucional.

A partir daí, cada um é como cada qual.

Tem-se debatido, nesta temática, a questão relacionada com a experiência do trabalhador, que deve ser melhorada, até porque é ele (pelo menos assim eu o entendo) o verdadeiro aporte de valor para a organização. Mas como?

Nas minhas funções de gestor público, com alta responsabilidade na gestão de serviços de abastecimento de água e saneamento de águas residuais, já passei por um pouco de tudo. Não é fácil motivar assistentes operacionais, imprescindíveis na garantia de um serviço de primeira necessidade à população, que levam pouco mais que o salário mínimo nacional para casa; e também não é fácil motivar técnicos superiores, que trabalham desconcentrados e com condições físicas de trabalho que estão longe de ser as ideais.

Acresce o escrutínio a que todos estamos sujeitos, já que prestamos um serviço público à população. A capacidade de compreender as críticas e aceitar as reclamações; a inteligência de fazer a ligação entre a parte operacional e a parte técnica; e, por fim, a habilidade para fazer algum ‘jogo’ político, quando é a política que tutela os respetivos serviços.

Voltando ao registo da melhoria da experiência do trabalhador, encontramos alguns exemplos que têm vindo a fazer o seu caminho, como, por exemplo, eventos de team-building, formações outdoor, benefícios sociais e outros provenientes da comunidade onde se está inserido (bilhetes para espetáculos, entradas em parques temáticos, ou em eventos sazonais, descontos em lojas e outros serviços, etc.). No entanto, no fim do dia e como dizia o meu professor de Finanças do MBA, o que conta é aquilo com que se compra a cerveja. Daí que seja muito difícil continuar esta jornada sem a imprescindível reforma da administração pública e do mercado de trabalho no seu todo, para que sejam visíveis e palpáveis os prémios de desempenho, a materialização do cumprimento dos objetivos e o verdadeiro reconhecimento do valor do trabalhador, tão apregoado pelo empregador. Ou, por outras palavras, ‘put your money where your mouth is’.

O apelo à retenção do talento, acaba por se entrecruzar na valorização dos recursos humanos, às quais não poderei deixar de acrescentar a capacidade de captar talento. Portugal, a este respeito – como em tantos outros – é um país verdadeiramente heterogéneo. O talento que se capta (e retém) nas zonas urbanas, está muito longe ser o mesmo que existe nas zonas rurais. Escasseia em quantidade e em qualidade e essa escassez, infelizmente, não é proporcional às necessidades, pois o seu grau de heterogeneidade é muito menor.

Apetece dizer, por experiência própria e recente, que o meu problema não é reter talento e valorizar os recursos humanos. O meu problema é, mesmo, captar talento e ter recursos humanos. E creio não estar sozinho nesta demanda…

A terminar este singelo arrazoado, gostaria de destacar os principais fatores determinantes para o sucesso: respeito, responsabilidade, capacidade de decisão, inteligência emocional… e muita paciência. Falo por mim, eu sei, mas creio que outros, agora sim, inter pares – e como antecipei atrás – estarão em condições de acompanhar este raciocínio.

NOTA: este artigo não foi escrito com recurso ao ChatGPT.

1  Termo em inglês usado por profissionais de recursos humanos para definir habilidades comportamentais e competências subjetivas difíceis de avaliar. Também são conhecidas como people skills e interpersonal skills, numa lógica de conceito de habilidades pessoais modernas.

2  Habilidades técnicas necessárias para um trabalho. São habilidades aprendidas, adquiridas e aprimoradas através da educação e da experiência.

3  Hilel, o Ancião.