Comecemos por falar sobre a empresa. Tendo em conta o foco da RSA nos desafios da era digital, de que forma a empresa tem integrado tecnologias na sua abordagem estratégica para se adaptar a este novo contexto? Em que medida a tecnologia é vista como uma prioridade estratégica na procura por soluções inovadoras?
A integração de novas tecnologias foi sempre uma prioridade para a RSA. A robotização de procedimentos foi introduzida na sociedade há uma década, tendo sido iniciada com a integração automática de notificações via CITIUS (e. mais tarde, do SITAF) e distribuição automática da tarefa para o advogado responsável pelo cliente e assunto, tendo sido assim pioneira na robotização de integração e distribuição de notificações.
Atualmente, a RSA encontra-se a implementar novas funcionalidades tecnológicas em benefício dos seus clientes e colaboradores, pretendendo manter-se na linha da frente na aplicação da tecnologia ao exercício da profissão.
À luz da ambição global da RSA, gostaríamos de compreender de que forma a Sociedade tem consolidado a sua presença internacional. Quais são os desafios e oportunidades que têm surgido nesta expansão global e como é que a equipa de mais de 50 advogados tem contribuído para a projeção internacional da marca?
A internacionalização da RSA iniciou com a aposta na presença da nossa Rede de Serviços de Advocacia em todo o espaço lusófono, estando atualmente presentes não só no espaço lusófono bem como em Espanha, França, República Checa e noutras jurisdições através das parcerias e redes internacionais que integramos.
A internacionalização permitiu, permite e continuará a permitir a partilha de experiência entre juristas (advogados e não advogados) de diferentes países, o que se traduz na concretização de diversos projetos, nomeadamente, na participação em conferências, ações de formação, debates sobre direito, na área de investigação jurídica e na publicação de livros jurídicos.
Sabemos que o mercado está em constante mudança e a recente publicação do Decreto-Lei n.º 10/2024, que reforma e simplifica os licenciamentos no âmbito do urbanismo, ordenamento do território e indústria é um exemplo disso mesmo. O que nos traz esta novidade?
A anunciada simplificação traduz-se não só no incremento de obras isentas de controlo prévio, na revogação do Decreto-Lei n.º 281/99, de 26/7 e de determinadas normas do RGEU, bem como na alteração do Código Civil sobre alteração de uso de frações que entraram em vigor no dia 01.01.2024, mas igualmente num conjunto profundo de alterações à legislação que rege a matéria do licenciamento urbanístico, destacando-se as seguintes novidades: (i.) a limitação dos poderes regulatórios dos Municípios, prosseguindo a uniformização dos elementos instrutórios, (ii.) a limitação aplicável às entidades públicas para que não possam solicitar elementos em falta mais do que uma vez; (iii.) o impedimento que exista indeferimento por instrução incompleta após o saneamento e apreciação limitar, (iv.) o alargamento do prazo de validade do pedido de informação prévia favorável para dois anos, (v.) a alteração ao sistema de contagem de prazos, passando a contar-se o prazo previsto para deliberação final para decisão de operação urbanística a partir da data da submissão do pedido sem que o pedido de pareceres externos suspenda a sua contagem; (vi.) a eliminação da limitação das prorrogações de prazos de execução das obras; (vii.) o fim dos alvarás; (viii.) o fim da obrigatoriedade do livro de obra; (ix.) a possibilidade de reclassificação do solo foro do âmbito dos Planos Territoriais; (x.) o uso geral e obrigatório do sistema informático para emissão de pareceres (após 06.01.2025); (xi.) a revogação integral do RGEU e a entrada em vigor do novo Código da Construção (até 01.06.2026); (xii.) a implementação da nova plataforma eletrónica dos procedimentos urbanísticos (PEPU) até 05.01.2026 (xiii.) a apresentação obrigatória dos projetos de arquitetura de acordo com a metodologia BIM (até 01.01.2030).
Para melhor entender, de que forma a RSA perceciona o impacto dessa legislação no cenário jurídico e nos procedimentos urbanísticos? Existem áreas onde antecipa maior relevância ou desafios?
O denominado “simplex urbanístico” é, provavelmente, o conjunto de alterações legislativas com maior impacto no setor imobiliário dos últimos anos. Sob a designação de simplex urbanístico, o legislador aproveitou para proceder igualmente à simplificação dos negócios jurídicos imobiliários, o que poderá vir a traduzir-se em insegurança jurídica para os cidadãos, atendendo a que a maioria dos cidadãos continua a celebrar negócios jurídicos relativos a imóveis sem adequada assessoria.
A relevância das presentes alterações acentuará certamente a procura e maior exigência técnica das due diligence em matéria imobiliária, da litigiosidade relativa a negócios jurídicos imobiliários, bem como relativamente ao incumprimento de prazos por parte de entidades públicas.
A nosso ver, o regime que resulta da publicação do Decreto-Lei n.º 10/2024 traduzir-se-á num paradoxo: por um lado, resultará na agilização dos procedimentos de licenciamento, mas, por outro lado, o que se ganhará em agilidade poderá perder-se em segurança jurídica e consequente aumento dos litígios.
Se o legislador pretende uma efetiva agilização e desburocratização dos procedimentos administrativos de licenciamento, não basta alterar a letra da lei, há que investir em recursos humanos (na sua formação e contratação) e meios tecnológicos adequados para todas as entidades públicas envolvidas.
Com o Simplex Urbanístico a entrar em vigor no próximo dia 4 de março, com algumas regras a vigorarem já desde 1 de janeiro, qual tem sido a experiência inicial da RSA na aplicação prática desta legislação? Identificou mudanças significativas nos procedimentos ou nas dinâmicas dos casos que tem acompanhado desde então?
Algumas das mudanças que entraram em vigor são significativas, como sucede com o fim da exigência do acompanhamento policial na realização de operações urbanísticas, mesmo quando exista corte da via pública, a eliminação da obrigatoriedade de apresentação de autorização de utilização e da ficha técnica de habitação nos atos de transmissão de propriedade de prédios urbanos, o fim da necessidade de autorização do condomínio para a alteração de uso de fração de outros fins para fim habitacional e o alargamento das obras isentas de controlo prévio e do conceito de obras de escassa relevância urbanística.
Com menor significado e relevância, não podemos deixar de realçar alterações a regras há muito obsoletas, como sucede com o fim da exigência de bidé e banheira, bem como com a possibilidade de kitchenette ou cozinha walkthrough.
Da nossa experiência estas medidas têm sido acolhidas com algum grau de incerteza pelo players do mercado imobiliário e a principal mudança nos procedimentos e dinâmicas dos casos prende-se com o aumento da relevância das due diligence, seja na vertente jurídica, seja na vertente técnica.
Da simplificação resultante da adoção destas medidas resulta uma transferência de responsabilidade para os particulares, nomeadamente, para os adquirentes de prédios urbanos.
Se é certo que a aquisição precedida de due diligence é prática enraizada nos profissionais do setor imobiliário, ainda são poucos os consumidores finais que recorrem à mesma no momento de aquisição dos imóveis.
Sendo a compra de casa o negócio jurídico de maior valor que a maioria dos cidadãos efetua ao longo da sua vida, há que ser mais preventivo na negociação e celebração de tal negócio porquanto os riscos associados cresceram.
Diria que existe, desde já, feedback relativamente à prometida celeridade e eficiência dos procedimentos urbanísticos desde a implementação do Simplex Urbanístico? De que forma a Sociedade tem gerido as expetativas dos clientes neste contexto legal?
Devemos sempre recordar que o RJUE, na sua versão original de 1999, nasceu precisamente sob a ótica da simplificação e agilização de procedimentos.
É curioso que a (mais uma vez) prometida celeridade resulte de alteração a diploma que visava atingir essa simplificação e agilização de procedimentos.
Sem prejuízo da bondade de algumas medidas previstas no “simplex urbanístico”, cremos que outras medidas terão, paradoxalmente, efeito contrário.
A título de exemplo, o alargamento do regime do deferimento tácito, a redução de prazos e a limitação de intervenção para as entidades públicas terá como resultado a tentação de apreciações precipitadas por parte daquelas entidades sobre os procedimentos administrativos e, com isso, a redução da segurança dos particulares em obterem decisões ponderadas e válidas.
A potencial consequência será o incremento da litigiosidade o que terá efeito contrário à pretendida celeridade.
Nessa medida, temos procurado gerir as expetativas dos clientes com a devida temperança, pois se antecipamos vantagens também antecipamos desafios que poderão incrementar a insegurança jurídica.
Olhando para o futuro, qual é a visão da RSA em relação às mudanças contínuas no panorama legal e às possíveis inovações na advocacia? De que forma planeia continuar a adaptar-se e a antecipar as necessidades dos clientes num ambiente jurídico em constante evolução?
Em Portugal convivemos com um legislador muito vivo, preferindo resolver os problemas com alterações legislativas, por vezes precipitadas, do que aplicando tempo e recursos na compreensão da dimensão dos problemas e investindo nos meios necessários para a sua resolução.
Para além de termos de conviver com estas constantes alterações legislativas, a advocacia terá ainda de conviver com um mercado ainda mais competitivo, marcado pelos desafios e ameaças da multidisciplinariedade e da Inteligência Artificial.
Na RSA acreditamos que a interdisciplinaridade das nossas equipas e a continuidade na aposta na inovação tecnológica permitem-nos olhar para o futuro com confiança, nomeadamente, por via da obtenção de soluções integradas e no foco no cliente, prosseguindo o nosso mote: se é importante para si, é muito importante para nós.