“Dormir mal sai caro”

Comemora-se, a 15 de março, o Dia Mundial do Sono – uma data que destaca a relevância do sono para a saúde e o bem-estar. Sobre esta temática, a Revista Pontos de Vista esteve à conversa com uma Especialista de Referência neste campo, Teresa Rebelo Pinto, Psicóloga, Somnologista (certificada pela European Sleep Research Society) e Fundadora da Clínica Teresa Rebelo Pinto – Psicologia & Sono, onde coordena uma equipa multidisciplinar, que nos deu a conhecer, entre outros assuntos, a importância do sono na nossa qualidade de vida.

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Para começar, gostaríamos de entender a importância da Clínica Teresa Rebelo Pinto – Psicologia & Sono na promoção da saúde mental e qualidade do sono. Como Fundadora e CEO, poderia partilhar um pouco sobre a visão e missão da Clínica, destacando como a Psicologia do Sono se tornou uma área de especialidade central neste projeto inovador?
O sono sempre foi uma área que me fascinou do ponto de vista científico. Quando estudei Psicologia, predominava uma visão muito médica e remediativa dos problemas de sono. Praticamente não se aprendia sobre o assunto, nem na escola nem nas universidades, e os profissionais de saúde estavam pouco preparados para lidar com os problemas de sono, em particular os psicólogos.
A ideia de desbravar caminho em Portugal na Psicologia do Sono – área de especialidade já reconhecida pela APA (American Psychological Association) – foi um dos elementos que mais me motivou para arrancar com este projeto. Também tinha a ideia de que, para além do investimento em literacia para o sono, esse caminho implicava uma aproximação entre a investigação e prática, convocando diversas disciplinas científicas, e orientada para aplicações em diversos contextos e populações – da saúde à educação, do trabalho ao desporto, das crianças e adolescentes a adultos e idosos. Sinto que muitas vezes estes mundos giram muito sobre si mesmos, faltando uma articulação eficaz. Este é, sem dúvida, um dos papéis que assumo enquanto líder deste projeto inovador: estreitar a comunicação entre todos os contextos nos quais podemos intervir e proporcionar respostas adequadas, simultaneamente específicas e interdisciplinares, em prol da saúde mental, do bem-estar e da qualidade do sono.

Comemora-se, a 15 de março, o Dia Mundial do Sono – uma data que destaca a relevância do sono para a saúde e o bem-estar. De que forma a Clínica Teresa Rebelo Pinto contribui para a consciencialização sobre a importância deste dia? Existem iniciativas que realiza para educar a comunidade sobre a relação entre o sono e a saúde mental?
A comemoração do Dia Mundial do Sono é uma iniciativa de caráter internacional que visa promover a sensibilização das comunidades para a importância da qualidade do sono em todas as esferas da nossa vida das pessoas. As instituições, as associações e os especialistas de sono de cada país são convidados a desenvolver ações nesse sentido, muitas vezes mobilizando instituições e/ou empreses que têm atividades relacionadas com o Sono. No final, a World Sleep Society atribui prémios às propostas consideradas mais inovadoras. A nossa Clínica tem participado nestas comemorações desde a primeira hora, tendo recebido até uma menção honrosa pela campanha de 2022, que difundiu a ideia de que “Dormir não é uma perda de tempo”. Em 2023 chamámos a atenção para a importância de desligar a atenção de tudo o que é estimulante no final do dia, distribuindo kits que ajudavam a ligar o “modo sono”. Este ano, em 2024, o lema da nossa campanha é “Dormir mal sai caro”. Penso que está tudo dito!
A Clínica tem também intervenções frequentes em escolas de diferentes níveis de escolaridade através de ações junto de crianças, adolescentes e jovens na formação de professores. Além disso, responde a solicitações das empresas através da organização de sessões de sensibilização, formação mais especializada, ou projetos de consultoria onde se aplicam instrumentos de avaliação e diagnóstico orientados para à melhoria da qualidade do sono dos colaboradores ou de clientes. Um destes instrumentos é Check up Sono, cujo objetivo é fazer um rastreio precoce de distúrbios de sono e orientar as pessoas na procura de soluções eficazes e personalizadas para as suas dificuldades de sono. Este projeto é único e tem-se revelado de grande utilidade no contexto empresarial, desportivo, entre outros.
Claro que uma parte importante da nossa atuação é a intervenção psicoterapêutica, onde desenvolvemos planos de intervenção personalizada e integrada numa abordagem holística e multidisciplinar.

Entendemos que a falta de sono pode acarretar uma série de problemas para a saúde geral. Assim, tendo em conta a sua profissão, quais são alguns dos principais desafios e impactos associados à privação de sono? Como é que estes problemas se podem manifestar na esfera da saúde mental?
É importante sublinhar que a privação de sono é sempre má, mas pode ser voluntária ou involuntária. No primeiro caso, é importante compreender os motivos que levam uma dada pessoa a preferir outras atividades em detrimento do sono, procurando corrigir a sua atitude no sentido de adotar hábitos mais saudáveis. Por outro lado, há quem tenha sono insuficiente por não ser capaz de dormir tanto quanto gostaria, como acontece nos distúrbios de sono.
Seja como for, os riscos de dormir pouco ou mal abrangem todas as áreas do nosso funcionamento diário, incluindo as funções cognitivas, a regulação emocional, o metabolismo, a imunidade, o raciocínio e os relacionamentos interpessoais. Regra geral, tudo funciona pior quando não dormimos o suficiente, como se abríssemos a máquina de lavar roupa a meio do programa, à espera de ter a roupa totalmente lavada.
Do ponto de vista da saúde mental, interessa dizer que todas as psicopatologias têm algum tipo de alteração no sono. Em alguns casos surgem sintomas de insónia, noutros casos as pessoas dormem demais. Por vezes aumentam muito de peso e têm dificuldades respiratórias durante o sono, ou fogem ao contacto social e desenvolvem distúrbios do ritmo circadiano.
No sentido inverso, sabemos que quem tem problemas de sono e não os trata de forma adequada também corre mais riscos de vir a desenvolver problemas associados à saúde mental, nomeadamente perturbações do humor e da ansiedade, e alucinações (em casos de privação de sono grave).
Podemos resumir dizendo que a relação entre sono e saúde mental é estreita e bidirecional. No dia-a-dia, é fácil ver o impacto negativo que a privação de sono traz, nas decisões mais arriscadas, na falta de paciência para os outros, na redução da produtividade, entre outros. Mas é também importante perceber como o sono é tantas vezes afetado pela forma como organizamos e vivemos o nosso dia a dia. E raras vezes pensamos nisso e, sobretudo, nos dispomos a introduzir mudanças no nosso comportamento que seguramente nos ajudariam a dormir melhor.

No âmbito da abordagem multidisciplinar da Clínica Teresa Rebelo Pinto, de que forma são desenvolvidas e aplicadas as metodologias para promover a qualidade do sono e o bem-estar psicológico? Que exemplos nos pode dar de abordagens inovadoras ou práticas diferenciadas que têm sido eficazes no tratamento de distúrbios do sono e questões relacionadas à saúde mental?
O trabalho que desenvolvemos na nossa equipa baseia-se em evidência científica e é um trabalho verdadeiramente multidisciplinar. Isto significa que, quando nos chega um pedido de ajuda, discutimos as propostas terapêuticas mais adequadas para a pessoa que nos procura, incluindo a identificação das áreas de especialidade, nomeadamente da Psicologia ou da Medicina, que é adequado envolver no tratamento do caso. Ter vários especialistas a trabalhar no mesmo espaço é muito importante para este objetivo, mas não é suficiente. Para que se concretize uma intervenção verdadeiramente transdisciplinar, há que dialogar e decidir em conjunto. É assim que funcionamos na Clínica TRP, através de metodologias e práticas de intervenção que contribuem a eficácia da intervenção. Desde logo no acolhimento personalizado e no encaminhamento de cada uma das pessoas que nos procura para o profissional da Clínica que melhor corresponde às necessidades identificadas. Também através da aplicação de metodologias de avaliação e diagnóstico clínico adequadas a cada situação, e proporcionando o acesso a recursos diversificados na própria Clínica, o que facilita muito a articulação das intervenções e evita que as pessoas tenham de procurar fora esses recursos. Enfim, procuramos deste modo garantir a continuidade e a integração exigidas pelo tratamento dos distúrbios do sono, diminuindo o risco de ter pessoas desmotivadas, a passar por muitas tentativas até conseguirem resolver os seus problemas, ou mesmo a desistir pelo caminho.

A proximidade com os clientes é uma prioridade destacada pela sua Clínica. Em que medida esta abordagem se reflete nas atividades de consulta, formação, educação e consultoria oferecidas? Existem experiências ou casos de sucesso que ilustram como essa proximidade contribuiu para melhorar a qualidade de vida e o bem-estar psicológico dos seus clientes?
Por exemplo, quando definimos um plano terapêutico, não só consideramos o percurso prévio desta pessoa – por quantos tratamentos já passou, há quanto tempo tem queixas de sono, entre outros – mas também o que a preocupa mais, quais os seus receios e expectativas. Não fugimos da intervenção farmacológica, mas também não a usamos de forma isolada nem como primeira linha de intervenção. Acima de tudo, ouvimos as pessoas, o que pode parecer óbvio e simples, mas infelizmente nem sempre acontece.
Com os nossos clientes empresariais também é curioso quando nos pedem um “portefólio” de formações ou ações a desenvolver em contexto organizacional. A nossa resposta habitual é marcar uma primeira conversa para conhecer melhor o contexto daquela empresa ou grupo, ouvir as suas preocupações e só então avançar com uma proposta de ação personalizada. No fundo, interessa-nos mais ir ao encontro das necessidades que surgem nos diferentes contextos, até porque não acreditamos em receitas milagrosas para intervir no sono ou na saúde mental.

Considerando a sua experiência e conhecimento na área, que conselhos práticos daria para pessoas que desejam melhorar a qualidade do sono e promover a sua saúde mental? Quais são algumas estratégias simples, mas eficazes, que as mesmas podem incorporar nas suas rotinas diárias?
O conhecimento científico sobre o sono, nomeadamente no campo da Psicologia, tem evoluído muito nas últimas décadas, permitindo abordagens dos problemas de sono melhor fundamentadas e mais eficazes. Todavia, muito desse conhecimento não chega ao público em geral e, em particular, às pessoas com problemas de sono, nem a muitos profissionais de saúde, temos de o reconhecer. Como consequência disto, continuam a proliferar diversos mitos e crenças irracionais sobre o tema do sono, bem como a difusão de práticas remediativas avulsas apresentadas como “infalíveis”. Tudo isto, na verdade, dificulta uma perceção correta dos problemas e a adesão aos tratamentos necessários e adequados para os ultrapassar.
Diria que, atualmente, as designadas práticas da “Higiene do sono” são já bastante conhecidas, sendo muito relevantes para prevenir um sono insuficiente e de má qualidade. Estas são algumas das estratégias recomendadas para a generalidade das pessoas: dormir o tempo necessário a cada pessoa (nem, todos precisam “de dormir 8 horas”, na verdade, uns menos, outros mais); manter a regularidade nas horas de dormir (uns mais cedo, outros mais tarde); proteger-se do ruído e do calor durante a noite; não comer muito ao jantar; evitar o café e o álcool perto da hora de ir dormir; não usar écrans ao serão; apanhar sol e fazer exercício físico durante o dia…
Todavia, as questões do sono são muito mais complexas e precisam de ser ajustadas caso a caso.

Como profissional dedicada ao campo da Psicologia do Sono, como observa a evolução e a importância crescente desse campo no cenário global da saúde mental? Quais são as tendências emergentes ou desafios que vislumbra para o futuro, especialmente considerando o impacto da tecnologia e do estilo de vida moderno na qualidade do sono?
É verdade que a comunidade do sono em Portugal, concretamente na área da Psicologia, se tem empenhado no aprofundamento destes temas, nomeadamente no que diz respeito à investigação e à formação de profissionais, bem como a difusão do conhecimento para o grande público. Adotando os princípios da Psicologia do Sono, a nossa equipa procura dar respostas eficazes e adequadas à prevenção, diagnóstico e intervenção na área da saúde mental.
Em primeiro lugar porque são altamente personalizadas, isto é, são diferentes de pessoa para pessoa, pelo que uma estratégia fundamental se prende com o conhecimento do próprio sono. Para abordar os seus problemas de sono, cada pessoa deve começar por conhecer as características do seu sono para perceber as suas necessidades de dormir. Este é um passo prévio à definição de planos terapêuticos que usamos na Clínica TRP.
Uma segunda estratégia tem a ver com a relação do sono com outros fatores, pessoais e ambientais, que o afetam ou são afetados por ele. As questões do sono devem ter em consideração a idade e a situação de cada pessoa, a sua saúde física e mental, o seu perfil psicológico, as suas experiências emocionais e sociais, familiares e profissionais, os seus contextos de vida, cenários onde se entrecruzam fatores protetores e fatores de risco para a qualidade do seu sono, que é imperativo identificar na abordagem do sono de cada um.
Valorizamos ainda uma estratégia mais complexa, que interpela diretamente a Psicologia do Sono, e que se centra na relação que cada pessoa vai estabelecendo ao longo da vida com o seu sono. Este é um ponto de partida para o processo de mudança de comportamentos e atitudes, que o tratamento do sono necessariamente implica.