“Gostava de ver o mundo unido pela paz, com dignidade e respeito pelos direitos humanos”

A Revista Pontos de Vista conversou com Maria Edite Oliveira, Psicóloga Clínica e Professora Universitária, que nos deu a conhecer o seu percurso de vida enquanto profunda entusiasta pelo comportamento humano e pelas questões sociais. Saiba qual foi o caminho que percorreu, os desafios que superou e a sua perspetiva sobre o Dia Internacional da Mulher, uma efeméride que merece ser relembrada.

219

Ao longo do seu percurso de vida, tem sido evidente o seu profundo interesse pelo comportamento humano e pelas questões sociais. Para melhor entender, o que a impulsionou a seguir este caminho e a dedicar-se a estas áreas de extrema importância?
A minha vocação determinou-se desde tenra idade, tendo vivido numa pequena aldeia do Concelho de Santa Maria da Feira, na qual as diferenças familiares e sociais eram fortemente visíveis, rapidamente me tornei uma exímia observadora das mesmas. Recordo-me que passava muito do meu tempo a observar como as pessoas que me rodeavam se comportavam, como reagiam nos diversos contextos de interação e essa diferença individual fascinava-me. Por outro lado, o facto de ter crescido numa família grande, com princípios e práticas católicas, permitiu-me igualmente desenvolver alguns valores nomeadamente a partilha, a solidariedade, a empatia e a disponibilidade para o outro. Questionava-me muito porque é que os outros meninos da aldeia tinham condições diferentes das minhas e vice-versa, rapidamente me vi a partilhar algo do que tinha e naturalmente contribuir para a felicidade dos outros.

Neste caminho enquanto Psicóloga Clínica e Professora Universitária, certamente já enfrentou diversos desafios – entre os quais foram cruciais para ser a Profissional de sucesso que é hoje. Quais foram as lições mais importantes que moldaram a sua carreira?
Ao longo da minha carreira encontrei vários desafios, no estágio académico realizado no Hospital S. José no qual tive um excelente orientador que me transmitiu muito conhecimento técnico e científico e que me iniciou na prática da Neuropsicologia, o mesmo aconteceu no início da minha carreira no Hospital de Santa Maria. Em ambos os locais tentei destacar-me não só pela dedicação ao serviço e sobretudo aos doentes que servia, mas também às pessoas que me rodeavam, desde o porteiro ao Diretor Clínico. Fui chamada à atenção algumas vezes por falar com colaboradores que se encontravam na base da pirâmide, foi difícil perceber esta segmentação humana, a categorização das pessoas pelo título que ocupam e não pela sua essência. A minha forma de ser e estar vacilavam alguns pares que instintivamente me olhavam de soslaio. Não obstante, as minhas características pessoais causarem algum desconforto para algumas pessoas, por outro lado também as mesmas me ajudaram a crescer e aprimorar cada vez mais a minha autenticidade, pois ao longo do percurso efetuado optei por ser eu mesma independentemente do efeito que isso possa ou não causar. A autenticidade para mim é a minha marca pessoal.

Além disso, também teve um papel crucial na criação de estruturas como o Gabinete de Desenvolvimento Humano na Universidade Nova de Lisboa. Qual é o impacto que espera que esta iniciativa tem tido na comunidade académica e além?
Na verdade, criei o Gabinete de Desenvolvimento do Aluno em 2011 na NOVA – School of Business and Economics e em 2020 o Gabinete de Desenvolvimento Humano da Universidade Nova de Lisboa. De facto, apesar de apresentarem dimensões diferentes, uma vez que o primeiro se destinava a uma Unidade Orgânica, SBE, e o segundo destina-se às nove, ambos foram criados com os mesmos objetivos: promover o desenvolvimento de competências pessoais e interpessoais, facilitar a aquisição da gestão dos diferentes papéis da vida, potenciar políticas de inclusão e criar uma identidade partilhada sobre felicidade e satisfação com a vida na NOVA. Dispomos de programas que visam o desenvolvimento de competências transversais, tais como o voluntariado, a mentoria e tutoria, coaching, workshops temáticos e dinâmicas de grupo. Efetivamente, este gabinete tem um impacto muito significativo nos nossos alunos ao nível da facilitação e suavização na entrada e adaptação ao ensino superior através da criação de laços sociais bem como benefícios ao nível das aprendizagens e envolvimento académicos, por exemplo através das tutorias. Assim, percebemos que os estudantes que mais se envolvem nestes programas e atividades expressam maiores níveis de bem-estar e felicidade.

Mas não fiquemos por aqui, uma vez que sabemos que se dedica ao voluntariado desde tenra idade. Como observa a importância do voluntariado na construção de uma sociedade mais justa e solidária?
Sim, sou voluntária desde os meus 13 anos. Iniciei num Lar de Terceira Idade, colaborando nas atividades diárias dos idosos bem como em festas temáticas e aniversários e, desde então, tenho exercido voluntariado em diferentes áreas e com diferentes faixas etárias. O voluntariado acrescenta valor a quem o pratica, mas especialmente a quem dele beneficia. Através desta atividade diminuímos as disparidades sociais e económicas, contribuindo para a construção de laços e sentido de pertença comunitários, aumentando e desenvolvendo mudanças positivas na sociedade. Tornando-nos mais próximos e empáticos evoluímos para uma sociedade mais justa, solidária e mais comum.

Uma sociedade mais justa é, efetivamente, um dos objetivos a que se propõe o Dia Internacional da Mulher, efeméride celebrada anualmente a 8 de março. Acredita que podemos transformar esta celebração numa plataforma para promover mudanças significativas em direção a essa sociedade justa, à igualdade de género e ao empoderamento das Mulheres? De que forma?
O dia 8 de março deve ser realçado em vários aspetos. Primeiro definir e reconhecer a mulher como o motor essencial de qualquer sociedade e do mundo, pois é dela que surge a vida. Promover a consciencialização sobre questões que continuam a afetar as mulheres, disparidades salariais, violências várias, acesso desigual à educação e oportunidades de carreira. Celebrar todas as suas conquistas e incentivar o seu empoderamento, valorizar o seu potencial, na liderança e no empreendedorismo, a sua capacidade multifuncional, a sua capacidade comunicacional e relacional tão importantes na posições de chefia. Estimular a sua representação política e decisiva. Enaltecer a sua capacidade de inspirar e transformar, através de modelos positivos. Permitir que a voz feminina seja proclamada e ouvida.

Considerando a sua vasta experiência e papel ativo na promoção do desenvolvimento pessoal e social, como vê a contribuição das Mulheres, especificamente no avanço dessas áreas?
A contribuição da mulher na promoção do desenvolvimento pessoal e social pode ser determinante, começando por ser um modelo a seguir, a imitar. A mulher/mãe é, à partida, a primeira referência emocional e afetiva dos filhos e nesse sentido pode ter um papel determinante no desenvolvimento da personalidade dos seus descendentes ao nível de valores, interesses, motivações e escolhas. Para isso, é necessário termos acauteladas as mudanças societais acima elencadas. A mulher com uma estrutura de personalidade sólida pode de facto, ser mentora de quem a rodeia e fazer a diferença nessas pessoas enquanto veículo transmissor de conhecimento, de técnica, mas também modelo de relação e de comunicação. Ela pode ser um agente transformador da sociedade, começando nos descendentes e alargando a outros interlocutores nos vários sistemas em que está envolvida.

Por fim, como Mulher, Psicóloga Clínica e Professora Universitária, como gostaria de ver o mundo daqui a cinco anos?
Reconheço que tenho uma visão romântica e idealista, mas gostava de ver o mundo unido pela paz, com dignidade e respeito pelos direitos humanos. Onde uma educação e formação de qualidade fossem prioritárias. Um mundo que trabalhasse em conjunto para a irradicação da pobreza e da desigualdade sociais. Um planeta bem cuidado e protegido, habitado por seres humanos empáticos e compassivos, onde reinasse a reciprocidade humana, a solidariedade, o afeto e a harmonia. Um mundo que reunisse todas as condições para que cada ser humano pudesse expressar e desenvolver a sua essência de forma igualitária e voluntária encontrando ambientes serenos e plenos para uma existência feliz.