Almadesign: uma referência no seu setor

José Rui Marcelino, CEO da Almadesign, uma empresa que gera inovação através do design e que desenvolve soluções de base tecnológica centradas no utilizador nas áreas de transportes, produto e interiores, conversou com a Revista Pontos de Vista sobre o sistema ferroviário português e o forte contributo da sua marca neste segmento.

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Sabemos que o percurso da Almadesign até aos dias atuais é marcado por inovação. Assim, para começar, enquanto CEO da empresa, poderia partilhar com os leitores os principais marcos desta caminhada e, de que forma, ao longo dos tempos, a mesma se tem vindo a manter relevante e na vanguarda de soluções tecnológicas?
A empresa foi fundada em 1997, com o objetivo de criar uma equipa portuguesa dedicada ao design de transportes e produtos. O nosso primeiro desafio foi desenhar um novo autocarro para comemorar o 50º aniversário da Salvador Caetano, o autocarro “Enigma”, prémio Nacional de Design em 1999. Nas décadas seguintes, fomos crescendo, desenvolvendo uma metodologia e cultura próprias e desenvolvemos mais de 900 projetos de design nas áreas de Transportes, Produtos e Interiores. A evolução da empresa pode ser dividida em períodos distintos: os primeiros anos (1997-2001), caracterizados pelos autocarros para a Caetano, a área ferroviária, com a EMEF ou os projetos para a Expo 98. Seguiu-se uma fase de crescimento (2001-2007), marcada pelo crescimento da equipa e da base de clientes, onde se incluiu o mobiliário para a Animovel, as máquinas ferramentas para a ADIRA, e o início do design de produtos na área da saúde; seguiu-se um período de “polinização cruzada” (2007-2012), em que desenvolvemos uma estratégia de inovação com base em projetos colaborativos de R&D, aumentando a nossa capacidade de inovação e internacionalização. Neste período, destaca-se o projeto de design do interior de uma aeronave com a Embraer (LIFE), vencedor do Crystal Cabin Award, que marcou a nossa entrada na aeronáutica. Estes projetos impulsionaram o estúdio para uma fase de transferência de conhecimento (2013-2017), destacada por projetos nos setores da aviação, ferrovia, náutica ou rodovia, incluindo os projetos para a TAP, EMEF/CP ou CARRIS. Hoje, encontramo-nos numa fase de afirmação internacional (2018-2024), com projetos na Europa, EUA, Ásia e Médio Oriente, com projectos como o SpaceJet para a Mitsubishi, a aeronave elétrica Alice para a Eviation (Cristal Cabin Award 2020), o projeto EVE com a Embraer e vários desafios com diferentes integradores da área ferroviária.

Certo é que, a Almadesign esteve presente no Portugal Railway Summit 2023, destacando-se com os demonstradores dos projetos IRIS e Ferrovia 4.0, o que revelou uma forte ligação com o setor ferroviário. Tendo em conta este contexto, como avalia o estado atual da ferrovia em Portugal e qual é o papel que a empresa desempenha na sua evolução?
O setor ferroviário em Portugal enfrenta desafios de modernização dos veículos, expansão das linhas e melhoria da experiência dos utilizadores, com sistemas frequentemente considerados desatualizados e infraestrutura inferior à da média europeia. A intervenção do design tem desempenhado um papel crucial no desenvolvimento de soluções focadas no utilizador e em toda a experiência de viagem: do interior e exterior dos veículos, às estações aos sistemas de reservas e bilhética, numa abordagem holística que permite abordar e resolver os sistemas mais complexos.

À luz dos projetos já desenvolvidos pela Almadesign, quais diria que são os principais desafios para a modernização e inovação do sistema ferroviário português?
Na Almadesign procuramos estar sempre presentes nas associações do setor (como a PFP, para a ferrovia) e nas feiras da especialidade, já que a colaboração entre empresas, fornecedores e projetistas (designers, engenheiros ou outros especialistas) é fundamental para impulsionar a inovação e contribuir para a modernização do sistema. A renovação do comboio Alfa Pendular, que elevou o nível de conforto e serviço, é um bom exemplo, mas participamos em muitos outros projetos ferroviários como o Intrain, IRIS, Modseat ou o Ferrovia 4.0. Para além de desenvolver a inovação através do design, é importante fazer mais integração em Portugal e estimular a incorporação de soluções nacionais na resolução dos desafios locais, para projetar as empresas no mercado internacional.

A Almadesign destaca-se pela sua capacidade de visualização, modelagem e prototipagem na criação de soluções tangíveis para projetos. Para melhor entender, de que forma esses processos são aplicados na conceção de melhorias e inovações para a infraestrutura ferroviária no país?
A experiência transdisciplinar em diversos projetos deu origem a uma metodologia de “polinização cruzada”, combinando soluções de diferentes áreas e permitindo à Almadesign explorar novas direções e abordagens de numa base holística, centrada no utilizador. As interações com parceiros multidisciplinares ao longo do ciclo de desenvolvimento de produto oferece ao estúdio uma abordagem única para criar tanto novas linhas de investigação e projetos de I&D como novas gamas de produtos e serviços.
A atividade de design com diferentes indústrias – transportes, produtos e interiores – impulsiona a equipa a desenvolver soluções inovadoras, com base na colaboração e contributo de diferentes empresas – às vezes, improváveis – fazendo migrar e integrar tecnologias de ponta, implementando novos processos de fabricação ou aplicando materiais inovadores. Sempre com foco na experiência do utilizador.

Uma das características da empresa que lidera, é a sua capacidade de colaborar com parceiros multidisciplinares, o que resulta em soluções inovadoras. Como é que esta união se reflete nos projetos relacionados com a ferrovia, especialmente no que diz respeito a melhorias na experiência do utilizador e na adoção de tecnologias de ponta?
A abordagem da Almadesign é reforçada pelas parcerias com entidades do Sistema Científico e Tecnológico e Indústria. A Almadesign participa também em redes de cooperação, desde sua fundação, como a PFP – Plataforma Ferroviária Portuguesa, AED – Associação para a Aeronáutica, Espaço e Defesa, a Forum Oceano – Associação da Economia do Mar, e a COTEC Portugal. Nessas redes o Design atua como integrador de conceitos, articulando e integrando as visões, necessidades e exigências das diferentes partes interessadas para desenvolver, produzir e comercializar conceitos e soluções. Neste contexto, o trabalho da Almadesign vai desde a criação e promoção de produtos até à divulgação das próprias redes de colaboração.

A abordagem da Almadesign como “integrador conceptual” é fundamental para articular as visões e requisitos dos diversos stakeholders. Neste sentido, considerando a complexidade do setor ferroviário e a multiplicidade de interesses envolvidos, de que forma a empresa aborda a identificação e definição de requisitos para projetos relacionados com o setor em Portugal?
O design funciona como integrador conceptual porque transmite uma visão futura, que permite a equipas multidisciplinares convergirem para um resultado. A nossa metodologia inclui uma fase inicial de análise dos utilizadores, do mercado e das tecnologias disponíveis. Depois ajudamos a definir uma especificação que responda às necessidades de todas as partes interessadas. E só depois desenvolvemos os veículos, dos esboços iniciais aos ficheiros tridimensionais que permitem fabricar moldes e peças. Todo este percurso, da identificação de necessidades à disseminação das soluções, faz parte da atividade do design.

Por fim, olhando para o futuro, quais são as principais novidades ou perspetivas que a Almadesign antevê para o setor ferroviário em Portugal? Quais são, ainda, os passos que a empresa planeia para continuar a impulsionar a inovação e a transformação neste âmbito?
Os serviços ferroviários em Portugal são fundamentais para criar um futuro mais sustentável, porque promovem o desenvolvimento urbano e regional e ligam os territórios costeiros e do interior. Promovem por isso a coesão territorial, a mobilidade intergeracional de pessoas e bens, incentivando as economias locais e valorizando os territórios, litorais e interiores. A ferrovia promove também a sustentabilidade ambiental ao fomentar o transporte público com emissões zero. Hoje, estamos envolvidos em projetos que resultarão em veículos mais confortáveis e eficientes e em serviços que vão melhorar a experiência do utilizador.