“As nossas propostas têm como objetivo fornecer uma solução global sustentável”

De que forma é que Espanha e Portugal analisam a relevância da Ferrovia para ambos os países? Foi sobre este assunto que Antonio García Salas, Coordenador e Porta-voz do SUDOESTE IBÉRICO EN RED, se debruçou nesta entrevista concedida à Revista Pontos de Vista. Saiba o futuro deste setor e como a SUDOESTE IBÉRICO EN RED tem sido preponderante neste domínio.

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Como Coordenador do SUDOESTE IBÉRICO EN RED, que impulsionou o movimento Corredor Sudoeste Ibérico, poderia partilhar com os leitores um panorama geral da atividade desta rede?
Somos uma rede de empresas portuguesas e espanholas que trabalham em conjunto e em colaboração com as administrações públicas e entidades privadas para criar as condições para promover as infraestruturas de transporte e comunicação do Sudoeste Ibérico transfronteiriço, entendido como a área de influência dos rios Tejo e Guadiana no seu encontro com o Atlântico, que durante milhares de anos foi identificada como Lusitânia. Pretendemos gerar sensibilidade e um estado de opinião e decisão sobre as oportunidades deste território se as infraestruturas ferroviárias, rodoviárias, energéticas, digitais e hidráulicas que ainda lhe faltam forem desenvolvidas para funcionar em rede. Fazemo-lo com os pés no chão, pouco a pouco, mas sem renunciar a ser ambiciosos nas nossas propostas. Para o efeito, elaboramos relatórios, contribuímos com ideias e divulgamo-las o mais amplamente possível.

Considerando a visão abrangente do Corredor Sudoeste Ibérico como um novo eixo de desenvolvimento europeu, de que forma o mesmo está a facilitar a integração de infraestruturas ferroviárias e a promover uma abordagem colaborativa entre Portugal e Espanha para alcançar esse objetivo?
Não parece que, de momento, nem em Espanha nem em Portugal este eixo seja uma prioridade, por mais acordos e compromissos que sejam assinados. Espanha continua a olhar para a costa mediterrânica e para a Europa Central, enquanto Portugal continua a olhar para a costa atlântica e para o Reino Unido, com os dois países que têm a obrigação de colaborar a virarem as costas um ao outro. Tanto Espanha como Portugal são países pequenos que, ao unirem-se, estão a ganhar a massa crítica que lhes permite dar um salto de escala. A Península Ibérica é uma realidade económica altamente interdependente, mas muito ineficaz e mal conectada. O eixo Lisboa-Madrid, ligado por caminho de ferro, proporciona também ligações energéticas e digitais, e permite promover um grande eixo de desenvolvimento interno, para além das meras capitais e conseguindo dois países mais robustos. E isto, que traz muitos benefícios num mundo tão turbulento, também gera inimigos que o procuram impedir. A sociedade civil está a trabalhar para ligar o que alguns gostariam de desligar.

Sabemos que o Corredor Sudoeste Ibérico aspira a ser mais do que uma simples ligação entre Madrid e Lisboa, mas também uma plataforma para o desenvolvimento das regiões circundantes. Assim, como é que o SUDOESTE IBÉRICO EN RED está a trabalhar para garantir que esta visão se traduza em benefícios para as comunidades locais ao longo deste corredor?
Portugal e Espanha são os dois países da UE com as maiores concentrações de população em territórios pequenos e, ao mesmo tempo, com as maiores áreas despovoadas. Esta situação está a enfraquecer ambos os países, especialmente Portugal, onde o efeito da Raia atinge quase dois terços do país. É muito importante coser a Raia. Nestes territórios não foram aplicados os princípios de coesão social, económica e territorial da UE e estão a ficar cada vez mais despovoados. Hoje fala-se muito de emergência climática e estes territórios têm um problema de emergência demográfica que tem de ser resolvido com força. Poderíamos passar muitas horas a debater as causas do despovoamento, mas não há dúvida de que a sua situação fronteiriça, periférica e desconectada cria custos de contexto que são muito difíceis de ultrapassar se não forem ligados e se tornarem lugares centrais e lugares de fluxos. A par das grandes ligações, a Raia deve ser cosida com muitas pequenas costuras.

De que forma tem sido possível promover a conetividade regional através da ferrovia?
Em 2004, a Europa definiu uma Rede Transeuropeia de Transportes (RTE-T), na qual estabeleceu estas ligações transfronteiriças que deveriam estar concluídas em dez anos. Em 2013 reviu-a, criando uma rede mais compacta de grandes corredores que interligam a Europa. O Corredor Atlântico, que envolve Espanha e Portugal, foi financiado pela UE, mas ambos os países não cumpriram os seus compromissos. Agora, o regulamento RTE-T foi novamente revisto e insiste que a rede principal deve estar concluída até 2030. Um dos troços que a UE definiu como prioritário é a ligação transfronteiriça de alta velocidade entre Madrid e Lisboa. Os países são livres de estabelecer as suas próprias prioridades, mas se receberem financiamento europeu têm de se alinhar com as prioridades europeias. Isso não pode ser posto em causa.

No contexto da ferrovia em Portugal, quais são, ainda, os principais desafios enfrentados nesta área?
Propomos que se avance nas quatro ligações que Portugal e Espanha têm vindo a acordar há umas décadas: Porto – Vigo, Guarda – Salamanca, Évora – Badajoz e Faro – Huelva. As quatro devem avançar ao seu próprio ritmo e obter o máximo apoio da UE para as tornar possíveis. A ligação Lisboa – Madrid é a única que está avançada e não pode ser posta em causa, não vale a pena tê-la a meio, tem de ser concluída o mais rapidamente possível, para que possa começar a ter retorno e o mais rapidamente possível ajudar a resolver o problema da falta de capacidade aeroportuária em Lisboa. Uma vez concluída esta ligação, será mais fácil avançar com as outras, que também são muito necessárias.

Tendo em conta a importância crescente da sustentabilidade nas políticas de transporte, de que forma o SUDOESTE IBÉRICO EN RED promove soluções ferroviárias ambientalmente amigáveis?
As nossas propostas têm como objetivo fornecer uma solução global sustentável. Propomos uma rede de transportes eletrificada, alimentada por energias renováveis e um território eficiente do ponto de vista energético, com uma agricultura e uma silvicultura que capturam o CO2 e que podem permitir atingir os objetivos da UE de um equilíbrio neutro em termos de CO2 vinte anos antes. Isto é possível, mesmo incluindo Madrid e Lisboa. Este modelo de sustentabilidade pode ser alargado a todo o território peninsular. Para o efeito, é importante eliminar os quarenta voos diários entre Lisboa e Madrid. Uma viagem de 600 quilómetros deveria ser percorrida de comboio em três horas, o que eliminaria uma grande parte dos voos.

No futuro, quais são as perspetivas do SUDOESTE IBÉRICO EN RED em relação ao desenvolvimento contínuo do Corredor Sudoeste Ibérico e ao papel crucial da ferrovia na promoção da integração regional e do crescimento económico sustentável entre Portugal e Espanha?
Pretendemos desenvolver uma rede descarbonizada distribuída que se estenda a todo o território, permitindo multi centralidades, mas não seria credível se os dois Governos não conseguissem ligar as duas capitais peninsulares de uma só vez. O facto de esta infraestrutura ainda não estar concluída não resulta de dificuldades financeiras, mas de interesses individuais e de grupo que se têm exercido com força sobre os interesses gerais. Esta situação deve ser ultrapassada o mais rapidamente possível.