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“TODOS OS DIAS SÃO DIAS DE PENSAR NA SAÚDE”

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“TODOS OS DIAS SÃO DIAS DE PENSAR NA SAÚDE”

Se numa fase anterior a saúde era (e bem) valorizada, será que com a problemática que vivemos atualmente e com os constantes desafios impostos ao bem-estar da sociedade, este tema ganhou uma relevância nunca antes sentida? Lívia Sousa ajudou-nos a melhor compreender.
Médica no Centro Hospital e Universitário de Coimbra e Especialista na área da Neurologia, contou-nos primeiramente – de forma a enquadrar – a evolução dos tempos no que à prevenção diz respeito. “Os tempos mudaram muito desde que comecei a estudar medicina. Na altura, praticamente não se falava da prevenção. Não havia tanta a noção de que a doença podia ser prevenida, do impacto que a alimentação tem na nossa saúde ou o estilo de vida que levamos. A medicina preventiva é mais recente e foi incrementada pelos excessos e erros que se cometeram. Há 40 anos não havia a obesidade nem a quantidade de doenças autoimunes, que existe hoje. Houve uma mudança muito grande de conceitos”, começa por explicar.
Com a evolução dos tempos e com os estudos e investigações realizadas no sentido de perceber como apareciam e o que se poderia ou não fazer para evitar determinadas doenças, a prevenção começou a pertencer cada vez mais ao quadro de questões importantes a serem tidas em conta. Contudo, e numa sociedade onde a informação por vezes é até excessiva e pouco filtrada, apesar de existir uma maior consciencialização, Lívia Sousa acredita que Portugal ainda está longe de cumprir as metas internacionais. “Há muito caminho a percorrer ainda. Há muitos anos que temos vindo a assistir a um fim de linha complexo, em que as urgências sobrelotadas são o último recurso para as pessoas com falta de acesso aos cuidados de saúde. As urgências hospitalares são o reflexo dos problemas que existem no Serviço Nacional de Saúde. Apesar de termos melhorado consideravelmente e termos excelentes profissionais de saúde , existe um grande problema de organização e de estruturas”, afirma. Certo é, ainda há muito a fazer em múltiplas áreas, como a própria assegura “desde os cuidados primários aos serviços de apoio ao domicílio que quase não existem ou são muito escassos”.
Independentemente das patologias de que os portugueses sofrem, quais têm vindo a ser então, os principais desafios ao acesso aos mais variados tratamentos?
Para a nossa entrevistada, o acesso aos fármacos não é rápido nem fácil, pelo contrário, é, muitas vezes uma luta constante. Ainda assim, Portugal não está mal posicionado quando comparado a outros países – sendo este problema regularmente debatido a nível mundial. “Em todos os países há graus variáveis de dificuldade de acesso aos tratamentos, uns porque os Governos não têm capacidade de resposta e outros porque não são os Governos que pagam e a despesa recai sobre as seguradoras. Só tem acesso aos seguros quem tem dinheiro e as seguradoras também limitam o acesso. Mas, no fundo, tudo se resume numa só questão: se o Médico estiver disposto a lutar para que o seu doente tenha acesso ao tratamento, ele vai ter. Se não estiver disposto, não vai ter. O Médico tem de lutar. Mas também não nos podemos esquecer que vivemos num país com recursos limitados e que tem de existir tratamentos para todos equitativamente”, explica.
Este era o cenário numa fase pós-pandemia. Passado um ano de a vivermos, interessa compreender o que mudou verdadeiramente na saúde, além do óbvio. Na opinião de Lívia Sousa, um dos impactos mais difíceis passou pelo facto de deixarmos de ter, enquanto sociedade, o acesso livre a determinados serviços, como o hospital. “Na realidade, muitos doentes, como os que necessitam de fisioterapia e de um momento para o outro deixaram de a poder frequentar, ficaram mais incapacitados e com quadros clínicos mais desfavoráveis. Os doentes que têm mobilidade reduzida o facto de estarem sempre em casa, vai piorar a sua condição clínica.. Outro grande problema é que os exames complementares de diagnóstico deixaram de ser realizados, ou foram muito reduzidos. Isso é algo evidente em todas as áreas, então nas de cancro nem se fala”.
A nossa interlocutora acredita que, quando o vírus da COVID-19 ficar erradicado, a luta pela saúde e bem-estar geral vai continuar a ser dura e vai precisar do apoio de todos os profissionais de saúde que hoje têm procurado oferecer, dentro do possível, o melhor serviço de norte a sul de Portugal.

GESTÃO DO DOENTE COM ESCLEROSE MÚLTIPLA EM TEMPOS DE PANDEMIA
A Esclerose Múltipla é uma doença crónica inflamatória do sistema nervoso central que tem por base uma perturbação do sistema imunológico. Como tem vindo a ser feita então a gestão das pessoas com esta patologia em tempos tão complexos? A nossa entrevistada afirma que, tendo em conta todo o processo do início da pandemia até então, os profissionais que acompanham estes doentes têm passado por diversas fases: “a primeira foi aquando do aparecimento do vírus. Ficamos completamente assustados, nós e os doentes. Tínhamos doentes a fazer fármacos que por si só baixam a imunidade e estávamos com medo que a COVID-19 fosse influenciada negativamente pelos tratamentos. Deixámos de prescrever alguns medicamentos e modificámos alguns regimes terapêuticos. Houve inclusive doentes que ficaram em casa de baixa porque não sabíamos o que poderia acontecer”, assegura Lívia Sousa.
Com o passar dos meses, começa-se a perceber, tendo em conta a experiência de outros países e dos diversos estudos realizados, que o vírus em si, não afeta particularmente os doentes com Esclerose Múltipla sob tratamento.
“Depois de perdermos esse receio, retomamos os tratamentos que tínhamos deixado em suspenso e fizemo-lo de forma lenta afim de evitar aglomerações no hospital de dia, que entretanto teve de ser mudado para espaço com menos risco de contágio, mas mais reduzido, na área da consulta externa A seguir, tivemos de perceber como deveríamos aplicar as vacinas contra a COVID-19 nesses doentes. Quando é que podíamos iniciar a vacinação ou se havia contraindicações ou interações mais complexas – que não há”, garante a nossa entrevistada.
Enquanto tudo isto ocorria, eram criados Webinares onde os doentes podiam participar e aproveitar para tirar as dúvidas que surgiam – tendo em conta a constante aprendizagem que todos nós tivemos de acompanhar e de nos adaptar.
No caso de Lívia Sousa, foi-lhe facultado pelo hospital um telemóvel para onde os doentes poderiam ligar em caso de necessidade, entre muitas outras iniciativas. Iniciativas essas que hoje permanecem e que vêm sendo mais aperfeiçoadas.
Para estes doentes, a nossa interlocutora deixou recomendações e alertas que podem ajudar a viver de forma mais tranquila, mesmo com a natural apreensão de quem vive uma pandemia com esta magnitude. “A Esclerose Múltipla assenta em três pilares essenciais: o primeiro, tem a ver com o estilo de vida da pessoa. É importante que o doente tenha controlo sobre a sua alimentação, que evite a obesidade ou o tabagismo, entre outros; é importante que recorra com regularidade à atividade física, que não deixe de, por mínimo que seja, exercitar o seu corpo; por fim, é imprescindível que o doente respeite a medicação, que tome a tempo e horas e que não desperdice”, acrescentando ainda que “é indispensável a toma da vacina contra o vírus da COVID-19. Em medicina temos um conceito que se chama benefício/risco e neste caso, o benefício é sempre superior ao risco. E lembrem-se, todos os dias são dias de pensar na saúde”, termina.