Liderança em tempos de incerteza

O século em que vivemos tem-se revelado um tempo conturbado, afetado por processos acelerados de mudança e incerteza, que não são passiveis de comparação com modelos do passado.

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Um tempo em que o quadro político internacional, que nos habituámos a dar como garantido, está a ser desafiado. A habitual liderança geopolítica das democracias do mundo ocidental é colocada em causa, por um continente asiático com sistemas políticos conceptualmente diferentes, cada vez mais desenvolvidos e competitivos.
Um tempo em que a Europa enfrenta enormes desafios de desagregação, com a saída do Reino Unido, com derivas protecionistas de alguns Estados-membros, com opções que põem em causa o objetivo fundador de coesão e solidariedade entre os países da U.E., fazendo ressaltar as diferentes conceções da União e afastando os cidadãos do projeto europeu.
Um tempo em que Portugal, ainda em processo de recuperação do resgate internacional, enfrenta os desafios da manutenção do equilíbrio das contas públicas, da estabilidade económica e da competitividade internacional com de escassez de talentos e competências.
É neste contexto que somos surpreendidos com um desafio mundial inesperado – a pandemia causada pelo Covid-19 – em que é posta em causa a vivência e organização da sociedade a que estamos habituados, em que somos privados de liberdades básicas em nome de um bem maior que é a saúde de todos.
É este o enquadramento que as atuais lideranças políticas e empresariais enfrentam, confrontadas pelo imperativo da adaptabilidade – condição para superar a incerteza – e pela afirmação do humanismo– condição para a comu1nidade superar a privação de liberdade.
Todos estes desafios têm-se revelado como uma oportunidade histórica para a afirmação das lideranças femininas, vejam-se os exemplos públicos de gestão de crise em países liderados por mulheres, como a Alemanha, a Islândia, a Noruega e a Nova Zelândia.
De facto, hoje, a liderança é um exercício de constante adaptação ao enquadramento externo e de relacionamento humano, de empatia e de motivação das equipas para um objetivo comum. Não serão estas as competências estereotipadas como sendo características femininas?
Ao longo da minha vida, deparei-me com mulheres de elevado potencial que não quiseram arriscar ou não conseguiram ultrapassar os seus próprios estereótipos, e não aceitaram desafios profissionais de liderança. Mas também me deparei com muitas mulheres brilhantes cuja progressão profissional foi interrompida por impossibilidade de conciliarem a vida familiar com a ascensão profissional ou mesmo porque encontraram “glass ceilings” que as impediram de progredir e minaram a sua autoconfiança.
Acredito que, no atual enquadramento, marcado pela incerteza, não podemos dar-nos ao luxo de desperdiçar metade dos ativos profissionais, precisamos dos melhores talentos – homens e mulheres – os mais aptos, os mais resilientes.
Foi com esta convicção que, na CIP, criámos o projeto Promova, financiado pelos EEAGrants, que tem como objetivo aumentar a presença de mulheres em cargos de gestão de topo nas empresas. Este projeto consubstancia-se num programa inovador em que as empresas são convidadas a participar num programa de desenvolvimento das suas potenciais líderes. As participantes são escolhidas pelas empresas para participar num programa de formação de um ano, desenvolvido em parceria com a NOVASBE, que inclui ações de formação em sala, coaching, mentoring e networking. É o nosso contributo para a promoção do talento e diversidade nas lideranças empresariais.
Um momento disruptivo exige respostas disruptivas. Estamos perante uma oportunidade para atingir o equilíbrio de género nos lugares de liderança. É chegado o tempo de deixar de falar de liderança no feminino e falar-se, tão só, em Liderança. A diversidade é enriquecedora para qualquer equipa e em particular para a liderança e tomada de decisões em tempos de disrupção, como os que vivemos. Só com equipas em que competências distintas se complementam e acrescem valor é possível vencer mais esta crise.
Espero que os homens e mulheres tenham a confiança e inteligência necessárias para valorizar as suas competências mútuas. Tenho esperança que as lideranças europeias, femininas e masculinas, saberão demonstrar sabedoria, audácia política e visão para continuar a construir, passo a passo, o grande projeto da União Europeia.

Carla Sequeira, Secretária-Geral da CIP – Confederação Empresarial de Portugal