A pandemia trouxe-nos o dever de olharmos para nós como um todo e talvez nos tenha capacitado para a adversidade e o constrangimento das rotinas invertidas. Trouxe-nos também a capacidade de integrar a mudança, de recriar novos hábitos, de encontrar soluções para as dificuldades que surgem sem aviso prévio e sem limite para o seu término.
A importância crescente da promoção da saúde mental, assim como a sensibilização pública para o tema, é um dos focos da OMS, que a considera como uma das prioridades em saúde, ocupando os lugares preponderantes nos desafios das ações a empreender. Mitigar o preconceito e o estigma à volta da saúde psicológica é outro dos objetivos.
Várias são as entidades que têm, de forma hercúlea, trazido o tema a debate, de forma a dignificar todo o trabalho efetivo na área da saúde psicológica, nomeadamente a Ordem dos Psicólogos Portugueses, o Ministério da Saúde, a DGS, a Ordem dos Médicos, entre outras, para que estas questões se tornem visíveis aos olhos de todos e assegurar à população portuguesa o acesso a serviços habilitados e promotores de saúde e capazes de ter uma visão holística, integrada e acessível.
SERÁ QUE ESTAMOS A OLHAR E A VER?
A sociedade civil precisa de vontades públicas e privadas e carece não só de envolvimento, mas também de comprometimento e de ação – não esperar que tudo tenha um ponto de partida alheio às ditas vontades. Precisa do conhecimento médico, psicológico, social e do correlato com a vida real. O tecido empresarial está a acolher, passo a passo, o tema da saúde com o propósito de trazer boas práticas neste âmbito, tendo como objetivo a valorização dos aspetos relacionados com o bem-estar emocional dos seus colaboradores e clientes, não só para que a produtividade seja mais competitiva, mas também para que as suas pessoas se sintam realizadas, reconhecidas, valorizadas, comprometidas e, porque não, felizes.
As pessoas otimistas e felizes são mais resilientes e têm menos risco de desenvolver doenças psicológicas. No entanto, é importante que fique claro que os sorrisos não são por si só curativos e que estar feliz não é um tratamento. Devemos questionar-nos sobre toda a literatura em abundância que se cristalizou nas redes sociais relativamente à autoajuda e ao pensamento positivo. Simplesmente porque quase nada na vida depende unicamente de nós. Não devemos aceitar uma certa autocracia da felicidade. Cada estado emocional tem a sua função e, por vezes, perante circunstâncias complexas, sentir medo, ansiedade e tristeza é absolutamente adequado. Porque os problemas não se resolvem, neste campo, de modo rápido e ligeiro. Ainda assim, é fator protetor do bem-estar psicológico rodearmo-nos de ajuda especializada e pedir ajuda quando necessário. Ter e manter por perto pessoas esperançosas, crentes, alegres e, sobretudo, não tóxicas. Sermos gratos, apesar das contrariedades. A vida pode e deve ser vivida em plenitude. Nada é eterno. Se as coisas boas passam, também as menos boas têm o mesmo destino.
A integração da saúde como um todo deverá propiciar à estrutura que promove conhecimentos e ações, a construção de realidades vividas com os olhos postos no bem-estar, na empatia, na compaixão, que resultará, consequentemente, em mais eficácia no desempenho profissional – contribuindo de forma mais próspera para que as empresas sejam locais saudáveis e profícuos em concretizações de sucesso, para que se mantenham ativas, vivas, e para que assim consigamos contornar este momento de grandes complexidades e darmos contributos válidos para a economia e vitalidade de um país.
Não podemos esquecer que as questões da saúde mental são maioritariamente invisíveis e silenciosas. Não são feridas ou fraturas expostas. Mas existem. O que não se vê é mais difícil de ser mensurado e validado, é certo, por isso compete-nos a máxima atenção aos sinais verbais e corporais. Neste momento pandémico em que o presente já o é e o futuro se avizinha repleto de situações extremadas como a pobreza e o desemprego, é necessário e urgente o foco na saúde, que precisa de ser criterioso, realista, corajoso e claro. Carece de visão, missão e orientação política congruente, alinhada com o SNS, que deve validar com genuinidade, autenticidade e verdade as necessidades das pessoas, delineando planos estratégicos de prevenção – que passem do papel à ação efetiva e concertada – através de uma abordagem à saúde pública, cujo objetivo seja encontrar soluções para a desigualdade e a pobreza, empoderando e capacitando as pessoas para a aquisição de competências sociais como a resiliência e promoção de vínculos, influindo na conexão de relações saudáveis e evitando o recurso massivo, quando desnecessário, aos medicamentos – como é do conhecimento público, Portugal é um dos países da OCDE com maior consumo de ansiolíticos, hipnóticos e sedativos.
É imperativo que, num mundo acometido por questões para as quais ainda não temos uma resposta 100% eficaz, se pare para refletir, analisar e, sobretudo, agir no que às questões da saúde mental em Portugal dizem respeito.
Depois desta amálgama de fatores e variáveis assimétricas e desprovidas de ilusões, talvez consigamos perceber: quando as coisas andam bem nas cabeças, mais facilmente poderão andar bem em todo o lado.