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UMA LUTA PELO RESPEITO E DIGNIDADE

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UMA LUTA PELO RESPEITO E DIGNIDADE

A SER+ Associação Portuguesa para a Prevenção e Desafio à SIDA tem como visão que Portugal seja um país que respeite os direitos humanos na área do VIH e Hepatites Víricas. Fundada em 1997, nasceu a partir de que necessidade? Que lacunas pretendiam e pretendem colmatar?
O aparecimento da SER+ nasce de uma necessidade identificada por um “estudo” encomendado por uma Fundação que na época existia no concelho de Cascais e que se dedicava a temas da saúde. A consulta de VIH do Hospital de Cascais tinha recentemente sido criada e percebeu-se, pelo impacto que a infeção apresentava na altura, pelo elevado índice de estigma e de discriminação e pelas características dos comportamentos da população inicialmente mais atingida, de uma total ausência na comunidade de uma rede formal de suporte para as pessoas que iam sendo diagnosticadas pelo Hospital. E são algumas dessas pessoas que impulsionam o associativismo que acaba por dar origem formal em 1997 à SER+ tal como hoje a conhecemos. Ao longo destes 23 anos, naturalmente a organização tem-se transformado, como qualquer organismo vivo e precisou do seu tempo para perceber onde pretendia chegar. É a nossa visão. Todas as respostas ou projetos que são desenvolvidos atualmente têm um único fim, ou seja, que os mesmos promovam e respeitem os direitos humanos a tudo o que diga respeito à infeção por VIH e às infeções por hepatites víricas.

O objetivo da SER+ é promover respostas integradas ao nível da prevenção, diagnóstico, tratamento, discriminação e apoio social na área do VIH e Hepatites Víricas, envolvendo e capacitando as entidades e populações. Na prática, e para melhor entender, que iniciativas são realizadas neste âmbito?
As respostas ou iniciativas desenvolvidas pela SER+ estruturam-se sempre a partir 1) das pessoas que já conhecem o seu estatuto serológico para qualquer uma destas infecções, 2) das pessoas que estão infectadas e que ainda não sabem e 3) das pessoas que não estão infetadas e que não se querem infetar. E é com base nesse desenho que estrategicamente a intervenção pode ser mais micro ou mais macro. Por outras palavras, a SER+ tanto promove iniciativas com caráter de emergência alimentar tendo em conta o perfil das pessoas infetadas que nos procuram, como desenvolve ações de maior abrangência, alinhadas com as políticas de saúde locais, nacionais ou internacionais e que podem ir desde assegurar o acesso aos cuidados de saúde e ao rastreio até à produção de conhecimento científico nestas áreas específicas.

Também os testes promovidos pela SER+, têm ganho força e importância para que, junto da sociedade, se entenda que um diagnóstico precoce está de braço dado com tratamentos eficazes e efeitos secundários mais leves. Atualmente, como nos pode descrever o impacto do VIH na sociedade?
Quase quarenta anos depois, a investigação científica na área dos tratamentos para o VIH e para a Hepatite C respondeu ao como se pode quebrar a cadeia de transmissão deixando de “ver” estas infeções como um problema de saúde pública. Há cura para a Hepatite C e ainda que não exista cura para o VIH, o tratamento atual é tão eficaz e tão revolucionário que a transmissão pode ser interrompida. Os obstáculos que estão por detrás da demora dessa conquista dependem basicamente de três outros fatores, políticos, coletivos e individuais. A ação politica, imperativa para que se assegure a implementação, por exemplo, do acesso à inovação dos tratamentos ou que se penalize quem possa discriminar outro pela condição de saúde que apresenta. A mobilização do coletivo, para que tenhamos uma sociedade mais ativa e participativa, obrigando os governos a garantir os direitos humanos consagrados na constituição, e não menos importante, as ações individuais que quanto mais moralistas e condescendentes forem, maior distanciamento criam no acesso à saúde de quem dele precisa.

A discriminação ainda é um tema que tem, efetivamente, peso na decisão de ir ou não fazer um teste de rastreio? Que apoio é fornecido pela Associação para suprimir esta problemática?
Sem dúvida. O medo de um resultado reativo no teste faz com que muita gente adie meses ou anos a sua realização, estando o medo de ser “olhado de forma diferente” e julgado por amigos ou familiares, ou de ser discriminado no trabalho, no seio social ou familiar, entre os principais receios que as pessoas referem. Também o estigma que ainda hoje perdura e que associa a infeção VIH a determinados “grupos de risco”, como os toxicodependentes ou os homossexuais, contribui para este julgamento social, e para um sentimento de imunidade face a esta infeção – “se não faço parte de um grupo de risco, não preciso de fazer o teste” – o que não corresponde de todo à realidade. A SER+ juntamente com o GAT, tenta responder à questão do estigma e da discriminação através do Centro Anti Discriminação VIH, projeto que surgiu em 2011 e que atua em várias frentes: Aconselhamento e apoio jurídico a pessoas com VIH/Hepatites que são discriminadas; Ativismo para alteração de leis e regulamentos que perpetuam situações discriminatórias; Formação em vários setores da sociedade para promover a integração e não discriminação das pessoas com estas infeções; Produção de conhecimento através do desenvolvimento de estudos de investigação; e compilação de documentação relevante nesta área.

O Dia Mundial da Luta Contra a Sida assinalou-se no passado dia 1 de dezembro. Desde o seu aparecimento muito se tem concretizado para a sua prevenção, contudo há quem defenda que não existe ainda um conhecimento e preocupação social suficiente. Concorda com esta afirmação?
No início da pandemia VIH esta era uma das doenças de que mais se falava, tanto na comunidade científica, como ao nível da opinião pública (um pouco o que se está a passar hoje com a pandemia COVID-19). Atualmente, com a evolução desta infeção para doença crónica, o VIH está esquecido e há uma (falsa) ideia de que esta é uma questão ultrapassada. É por isso, talvez mais importante que nunca, a consciencialização do que representa esta data, relembrando que, apesar de termos neste momento muito mais ferramentas para quebrar a transmissão por VIH, o número de novas infeções pouco diminui (sendo cerca de 1000 novos casos os que surgem anualmente em Portugal) e a fase em que os casos são diagnosticados são significativamente em fase tardia, o que significa que a transmissão acontece porque a pessoa desconhece que está infetada. Continuam a existir importantes obstáculos ao desaceleramento desta infeção, sendo os mais importantes a desinformação, o estigma e a discriminação verificada tanto na população em geral como nos profissionais de saúde. É sabido que as desigualdades e as crises económicas, como a que estamos a viver, só irão acentuar ainda mais essas diferenças empurrando os mais desfavorecidos, e como consequência os mais vulneráveis, para guetos sociais agravando ainda mais o distanciamento aos cuidados de saúde e a uma maior probabilidade de exposição ao vírus. Respondendo à questão de forma rápida, sim, concordo com a afirmação.

Tem sido também papel da SER+ realizar programas sistematizados junto dos jovens, por exemplo, sensibilizando-os para a adoção de comportamentos promotores da redução do risco contra a infeção pelo VIH?
Sim. Sempre que pretendemos uma verdadeira mudança de atitudes, comportamentos e mentalidades, os jovens são os nossos grandes aliados. Foi assim na educação alimentar, na promoção da reciclagem, e na área da saúde sexual não é diferente. Claro que a informação e o conhecimento devem ser difundidos o mais possível, de modo a chegar a toda a população, mas é junto dos jovens que temos uma maior probabilidade de alterar comportamentos. Atualmente, apesar de ainda muito insuficiente, sabemos que o uso do preservativo é mais frequente entre os mais jovens, comparando com faixas etárias mais avançadas. Também a procura do rastreio se torna mais comum, e progressivamente o estigma associado à infeção VIH (muito reforçado nos anos 80 e 90) começa aos poucos a dissipar-se, estando em muitos jovens já a ideia de “doença crónica”. No entanto, fala-se cada vez menos de VIH, e na internet (fonte preferencial de pesquisa nesta faixa etária) há tanto de informação como de desinformação. É essencial que a aposta na educação sexual nas escolas seja feita de forma efetiva e consistente (o que ainda não acontece), não se reduzindo a ações pontuais. A área da prevenção e da educação sexual continua a não ser uma prioridade política e isso reflete-se na falta de apoios para conseguirmos atuar mais a este nível.

Neste panorama atual da pandemia provocada pela COVID-19, muito do tempo despendido por parte dos profissionais de saúde tem sido dedicado exclusivamente a esta problemática. Assim, alguns tratamentos para controlar outras doenças e/ou problemas de saúde, foram suspensos. Como se encontram as respostas necessárias por parte destes serviços para com os tratamentos contra a Sida – tratamentos esses que requerem continuidade?
De facto, o combate à pandemia COVID-19 tem-se feito em grande parte com prejuízo das outras áreas da saúde, nomeadamente o apoio e seguimento de doentes crónicos. Também na área do VIH se têm sentido estes efeitos, com cancelamento de consultas, passagem de consultas presenciais para online, perda no seguimento de alguns doentes, adiamento por longos períodos de exames complementares de diagnóstico, alteração e restrição nos horários das farmácias hospitalares para levantamento de medicação, adiamento ou suspensão das consulta de acesso à PreP, etc. Na verdade, penso que só teremos uma noção mais efetiva dos custos para a saúde individual e coletiva que estas medidas representam, no futuro. No entanto, a pandemia trouxe também algumas medidas positivas, como a facilitação de acesso à saúde por parte dos imigrantes em situação irregular e a possibilidade (ainda em fase de aprovação) do envio da medicação para casa dos utentes, evitando assim idas desnecessárias aos hospitais.

Que objetivos estratégicos têm planeados para o ano de 2021?
1) Aumentar a proporção de indivíduos que conhecem o seu estatuto serológico (VIH, Hepatites Víricas e Sífilis) assegurando o linkage to care (referenciação) dos casos reativos. 2) Reduzir novas infeções intensificando os esforços no âmbito da prevenção primária 3) Melhorar a qualidade de vida das pessoas que vive com VIH, com Hepatites víricas e de populações vulneráveis; 4) Reduzir o estigma e a discriminação das pessoas que vivem com o VIH, com Hepatites víricas e das populações vulneráveis à infeção, 5) Produzir e contribuir para o conhecimento científico na área do VIH e Hepatites