Início Atualidade “NÃO DESISTAM. NÓS, OS PROFISSIONAIS DE SAÚDE, TAMBÉM NÃO DESISTIMOS DE VOCÊS”

“NÃO DESISTAM. NÓS, OS PROFISSIONAIS DE SAÚDE, TAMBÉM NÃO DESISTIMOS DE VOCÊS”

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“NÃO DESISTAM. NÓS, OS PROFISSIONAIS DE SAÚDE, TAMBÉM NÃO DESISTIMOS DE VOCÊS”

Foi no serviço de urgência que permaneceu durante 16 anos e descobriu uma paixão imensa pela «correria» que se vive nesta área. Sendo uma experiência sobretudo enriquecedora a nível de novos conhecimentos, de práticas e até de rotinas, angariou várias competências que lhe permitiram ingressar para o desafio seguinte que a vida lhe tinha reservado: o Hospital de dia de Neurologia., de Setúbal. Com horários fixos e com hábitos totalmente diferentes daqueles que já estaria habituada nas urgências, teve de reajustar os seus costumes à nova realidade – e assim foi.
Com uma equipa de apenas dez elementos, sendo a única no papel de Enfermeira, foi-lhe concebida a responsabilidade de, enquanto também responsável de serviço, reorganizar e reestruturar as práticas do Hospital, nunca descurando das expetativas dos doentes já ali acompanhados.
Sendo um Hospital dedicado à Neurologia, a nossa entrevistada decidiu ainda especializar-se em Esclerose Múltipla, podendo assim oferecer o melhor acompanhamento a todos os que mais precisam. Certo é, com o devido (e merecido) reconhecimento, começou a haver maior fluxo de doentes tendo a equipa aumentado.
Ao todo, passaram 12 anos de trabalho e dedicação àquela que é – e onde é – a sua atividade diária.
Na área da saúde a inovação vive, muitas vezes, de braço dado com a eficácia dos mais diversos tratamentos. Assim, interessa compreender qual tem vindo a ser a evolução da Esclerose Múltipla, bem como das suas terapêuticas. “Quando comecei a lidar com a doença, era algo desconhecido. Achávamos que o doente ficava, de facto, com incapacidades não reversíveis. Mas a ciência levou-nos a crer que não – hoje, existe uma panóplia de tratamentos que não existiam quando comecei a trabalhar aqui no hospital. Há cada vez mais estudos e Portugal tem estado na linha da frente no que diz respeito aos ensaios clínicos. O doente hoje sente-se mais acompanhado, tem um leque de escolhas e sabe que, se por ventura surgir um surto, que há opções que o possibilitam a viver com qualidade”, afirma Cristina Rodrigues.
No que concerne ao acompanhamento, o seu local de trabalho tem tido um papel relevante e proativo. “Quando é feito o diagnóstico ao doente e é realizada a consulta multidisciplinar, desde logo é feita uma abordagem do Médico Neurologista e o Enfermeiro. O doente sabe, acima de tudo, que tem uma equipa ao seu dispor”, acrescenta. Uma equipa a dispor que, mesmo em tempos de pandemia, não deixou estar disponível. “Como o nosso serviço não é muito grande, conseguimos facilmente organizar eventuais problemas que possam surgir. Com esta pandemia, conseguimos tratar de tudo com bastante calma, organizar um serviço de forma a conseguir tratar os doentes nas melhores condições de proteção. Foram criados espaços organizados de forma a que houvesse menos pessoas na sala, entre outras medidas pertinentes para o caso”, assegura a nossa entrevistada.
Aqui, não só os tratamentos continuaram de forma natural, como foi tido em conta o estado psicológico dos doentes. “Desde logo quiseram saber a nossa opinião sobre todas as questões que envolvem a pandemia. Tivemos de estar constantemente informados e tentamos sempre que eles se sentissem tranquilos – apesar de alguns tratamentos para a Esclerose Múltipla baixarem as duas defesas. Acabamos por ter um papel de amizade, porque de facto a nossa relação é muito próxima. Mesmo no que diz respeito à vacina contra a COVID-19, o natural receio de todos, não apenas dos doentes com esta patologia, era evidente. No início não sabíamos se podiam ser ou não vacinados, por isso estudámos o assunto, informamo-nos e chegámos à conclusão que não existe qualquer problema”, acrescenta Cristina Rodrigues.

ENQUANTO PROFISSIONAL DE SAÚDE, QUAL É A SENSAÇÃO QUE PERMANECE AO FIM DO DIA?
Esta questão é, obviamente, sempre válida, mas mais ainda nos últimos meses. Historicamente, os Enfermeiros estão na linha da frente de combate a epidemias e pandemias que ameaçam a saúde mundialmente, atuando na prevenção, tratamento e contenção das mesmas. Nesta que atravessamos, o cenário era primeiramente desconhecido e com o múltiplo esforço dos profissionais de saúde e não só, passou a ter, aos poucos, conhecimento de causa.
Para Cristina Rodrigues, houve claramente difíceis desafios de ultrapassar. “O meu maior desafio era proteger-me ao máximo e porquê? Queria proteger-me porque trabalho no hospital com doentes a fazerem tratamentos complexos, logo, se me protegesse a mim, estaria a protegê-los também. Depois – e não menos importante – queria proteger a minha família. No início foi difícil. Chegava a casa com receio. Depois foi difícil também lidar com todas as situações novas que foram surgindo, tínhamos um reajustar de práticas quase diário”.
Nos meses mais complexos foi necessário começarem a tratar, além dos doentes Neurológicos, os doentes com o vírus da COVID-19, conotando um peso ainda maior no dia-a-dia de todos os que lutavam pela «normalidade». “É um cansaço muito grande, físico e psicológico. Gerir as emoções dos doentes que não estão infetados, dos que estão, as dúvidas que surgem… Acabamos por nos deixar um bocado de parte. Deixamos de pensar em nós. Mas tudo isto tem uma parte muito recompensadora: o sorriso do doente, o seu «obrigada» e o seu reconhecimento. Faz-me lembrar o porquê de ter escolhido esta área. É extremamente gratificante”, confessa emocionada a nossa entrevistada.

MENSAGEM DE OTIMISMO A TODOS OS DOENTES QUE VIVEM COM ESCLEROSE MÚLTIPLA
A saúde, a par da liberdade, é aquilo que nos habituámos a prezar mais e a pretender salvaguardar a todo o custo. Num momento em que vimos esse «bem precioso» retirado do nosso alcance, muitas vezes é necessário refletir e tentar, dentro das possibilidades, ter esperança num futuro melhor. Assim, Cristina Rodrigues deixou uma mensagem a todos e recomendações, em particular, para os que vivem com Esclerose Múltipla. “Começo por dizer que todos devem ser vacinados. Temos de acreditar na ciência e no facto de estar cada vez mais centrada em melhor cuidar dos doentes. Depois, gostaria de dizer algo que digo sempre aos doentes na consulta de diagnóstico de Esclerose Múltipla: vão passar a viver com a doença, mas não vão viver para a doença. Recomendo que se mantenha a atividade física e que se criem hábitos de alimentação saudáveis. A doença não é incapacitante como era há 30 anos. A ciência permitiu a todos os que têm esta patologia viver com qualidade, podendo usufruir de todo o bem que se possa ter a nível familiar, profissional e social. Não desistam. Nós, os profissionais de saúde, também não desistimos de vocês”, termina a nossa interlocutora.