A palavra a Miguel Farinha, Head of Strategy and Transactions da EY Portugal
O nosso contributo resulta da experiência da EY, como empresa prestadora de serviços profissionais com mais de 1200 colaboradores em Portugal, integrada numa rede mundial que nos expõe diariamente à realidade e às boas práticas de outros países.
Baseamo-nos também na experiência direta de trabalho com milhares de organizações em Portugal, desde PME familiares a grandes grupos nacionais, passando por filiais em Portugal das maiores empresas globais.
Começando precisamente por uma perspetiva global – de fora para dentro – o Investimento Direto Estrangeiro (IDE), por exemplo, é um fator crucial para as economias, contribuindo para a criação de valor e geração de empregos. Sobretudo quando o nível de sofisticação do investimento aumenta e gera empregos cada vez mais qualificados, como acontece no caso português. E de acordo com o nosso último EY Attractiveness Survey Portugal, as prioridades dos investidores estrangeiros são claras: maior confiança dos consumidores, melhor acesso a capital e investimento acelerado na digitalização.
Portugal até poderá ver a sua atratividade de longo-prazo reforçada à medida que a pandemia apressa a digitalização da economia e impõe a transformação tecnológica. Mas a aceleração da transformação é universal e transversal. Acreditamos que o mundo assiste neste momento a um ponto de inflexão motivado pela revolução que vivemos em várias frentes –económica, tecnológica, regulatória, do consumidor, entre outras – na qual as diferentes economias, e as empresas e instituições que dela fazem parte, deverão ser capazes de criar um novo ponto de vista sobre futuro e de se reinventar. Porque o futuro que temos pela frente será seguramente muito diferente do passado que fica para trás.
O mundo que se transformava a uma velocidade exponencial, onde todas as indústrias viam transformações profundas provocadas por novas tecnologias e novos modelos de negócio que o digital veio acelerar, enfrentou uma pandemia que impactou o mundo inteiro e veio antecipar ainda mais essa transformação. Neste contexto, assistimos a transformações em poucos meses que levariam anos a acontecer e que nos obrigam a repensar o futuro de uma forma completamente nova.
Um estudo realizado pela EY Parthenon demonstra que 76% das empresas vão ter de rever as suas estratégias de médio e de longo prazo e que 12% consideram que terão que olhar para novos setores para alcançar o sucesso. A digitalização é, por isso, fundamental para as organizações. E não consiste apenas em digitalizar o modelo de negócio atual, mas sim em redesenhar e inovar toda a estratégia empresarial.
Em matéria de competitividade e inovação, há três pontos que nos parecem essenciais e em que nos vamos focar: o talento, o ambiente de negócios e o trabalho em rede. Relativamente ao Talento, a globalização e a digitalização, aceleradas pela Pandemia, impuseram um ritmo de mudança que pôs a descoberto uma escassez global de recursos com as qualificações necessárias para as exigências atuais.
A automação, a inteligência artificial, a robotização, a internet das coisas, entre outros., irão substituir a força de trabalho existente de formas que não imaginamos e muito para além de funções que possamos pensar.
Temos já hoje fábricas e operações sem a presença física de pessoas, empresas a darem assistência técnica através de realidade aumentada entre diferentes países, computadores que escrevem música ou guiões de livros…
Sendo inegável que Portugal tem a capacidade de gerar recursos que se adaptam bem e prosperam em ambiente internacional, é importante trabalhar na retenção desse talento e na atração de competências mais escassas. Do ponto de vista de políticas públicas, isto traduz-se na necessidade de investir:
Num sistema de educação que promova a curiosidade e a experimentação, que confira competências digitais e que valorize a inovação e o empreendedorismo como mecanismos de criação de valor para a sociedade;
Num sistema de ensino dual que ofereça uma alternativa para os mais motivados por aprender competências práticas, de preferência alinhadas com os requisitos da indústria, do terceiro sector, que representa 68,9% da população portuguesa empregada, e de outras áreas com dificuldades de recrutamento;
Num sistema universitário que promova a adaptação contínua de currículos às necessidades do mercado de trabalho;
Num sistema de formação / reconversão profissional que permita readaptar as competências da força de trabalho que temos hoje no mercado (por exemplo nas faixas dos 30 aos 45 anos) para que possam atuar num contexto de uma economia digital.
No que diz respeito ao ambiente de negócios, os pontos críticos têm a ver com a eficiência da Administração Pública e com a simplificação e estabilização do ambiente regulatório e fiscal.
No nosso entender, e também corroborado pelo estudo EY Atractiveness Survey Portugal, isto consegue-se com iniciativas de política pública como:
O aprofundamento da digitalização dos serviços do Estado, focada em três pontos essenciais:
Na revisão exaustiva de processos, redesenhando-os para um mundo digital;
No alargamento da prestação remota de serviços, mesmo após a pandemia, visando a redução de custos e do tempo despendido pelas empresas nas suas interações com o Estado;
Na melhoria da experiência global do cidadão, para uniformizar e simplificar os pontos de contacto entre os cidadãos e o Estado.
A eficiência da Administração Pública e com a simplificação e estabilização do ambiente regulatório e fiscal também se consegue com:
Avaliação contínua, em parceria com as entidades que representam a iniciativa privada, de referenciais como o Doing Business (Banco Mundial) ou o Global Competitiveness Report (World Economic Forum), e identificando oportunidades de melhoria que igualem ou superem as melhores práticas;
Definição de uma ambição clara para o quadro fiscal de médio prazo e a implementação imediata de medidas que deem segurança aos investidores estrangeiros e nacionais quanto a um caminho no sentido da simplificação, da segurança e da redução da carga fiscal;
Maior transparência associada aos processos administrativos e judiciais.
Finalmente, no que se refere ao trabalho em rede, começamos por assinalar o sucesso de iniciativas como a própria COTEC, no domínio da Inovação, e as vantagens evidentes da colaboração entre privados, e entre estes, a Academia e o Estado.
Em matéria de políticas públicas, parece-nos importante que se avance nos seguintes domínios:
Que se aprofundem os investimentos públicos em infraestruturas de investigação aplicada aos principais sectores de atividade, cuja gestão deve ter uma participação decisiva de entidades privadas e cuja avaliação se deve fazer por resultados concretos de prestação de serviços de valor acrescentado, formação de quadros especializados e exploração comercial do conhecimento gerado;
Que o financiamento das Universidades públicas incentive claramente uma colaboração mais intensa com a iniciativa privada, partilhando custos de investigação, promovendo linhas de investigação aplicada à resolução de problemas colocados pelas empresas e promovendo a utilização comercial de conhecimento patenteado.
Concluindo, num momento de profunda transformação existirá uma oportunidade única para reposicionar Portugal e as empresas portuguesas no contexto competitivo europeu e mundial o que obrigará à definição de uma estratégia de crescimento e diferenciação baseada na criação de competências associadas a um DNA digital, quer dos recursos quer das empresas. Mas também levará à reinvenção de muitos dos atuais modelos de negócio existentes.