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Compromisso para Adaptação e Mitigação das Alterações Climáticas nos Serviços de Águas

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Compromisso para Adaptação e Mitigação das Alterações Climáticas nos Serviços de Águas

Rui Godinho, Presidente do Conselho Diretivo da APDA – Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas Membro do Board of Governors e do Bureau do World Water Council

Do extraordinário avanço no conhecimento, patente nos mais importantes eventos sobre as “alterações climáticas”, resulta que a água é o mais importante fator a ter em conta na definição e aplicação das políticas para enfrentar os efeitos devastadores para a vida humana que aquelas já provocam, emergindo como o mais relevante no âmbito de “Os Nove Limites do Planeta” 1 que, segundo o Centro de Resiliência de Estocolmo, mantêm o equilíbrio na Terra:
– Esgotamento da camada de ozono; integridade da biosfera; poluição química; concentração de CO2; acidificação dos oceanos; consumo de água doce; alteração do uso da terra (agricultura intensiva e super intensiva); fluxos e consumos de azoto e fósforo (implicações graves na qualidade das disponibilidades e reservas de água por “eutrofização”); carga de aerossóis na atmosfera.
Como ficou também evidente na pandemia de COVID-19, a água desempenha um papel central (como recurso absolutamente vital para os seres humanos) nesta abordagem. Aliás, a emergência da “centralidade da água” foi uma das principais lições a ser retirada da “crise sanitária” que nos atingiu, lançando sérios fatores de incerteza na vida humana.
Os últimos trabalhos e relatórios oficiais das Nações Unidas e do IPCC – Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (COP26 – Glasgow, novembro 2021)2 confirmam, entretanto, que as secas e a escassez de água se tornaram numa “ameaça sistémica”, em consequência da aceleração generalizada da transformação do clima, que se intensificou sem precedentes nas últimas décadas, sendo indiscutível que as alterações que observamos têm origem na atividade humana e afetam já todas as regiões da Terra.
O clima a que estaremos sujeitos no futuro depende, portanto, das nossas decisões agora. As Ciências do Sistema Terrestre deverão estudar o Planeta e atuar sobre ele como um “Sistema Único, Integrado e Suporte de Vida”, e que as decisões a tomar, aos diferentes níveis, assentem neste princípio integrador, “tornando-se urgente a assunção de um novo Contrato Global para estabelecer a harmonia nas relações entre a Humanidade mas também nas interações com o Planeta, porque infelizmente tomamos a natureza (e a água!!!), e os seus ciclos como garantidos e um adquirido sem limites e sem fim”.3
Urge, portanto, a sua generalização a todas as regiões já afetadas por secas, escassez de água e desertificação no Mundo, incluindo Portugal e Espanha, países integrados numa das regiões mais críticas (Bacia do Mediterrâneo) e que vivem em forte interdependência e partilha de recursos hídricos nas principais Bacias Hidrográficas Internacionais da Península Ibérica (Douro, Tejo e Guadiana). Deste modo, e no que toca ao nosso País na obtenção de segurança hídrica, a criação de reservas estratégicas de recursos superficiais e subterrâneos, associadas à aplicação de princípios e práticas de boa governança sobre as disponibilidades ainda existentes e sobre os serviços de água e saneamento, bem como a promoção do uso eficiente em todos os setores consumidores, deverão constituir as bases fundamentais das políticas ambientais e da ação climática.
Ciente deste complexo e perigoso contexto, a APDA, através da sua Comissão Especializada de Adaptação às Alterações Climáticas, desafiou todos os Municípios e Entidades Gestoras do setor a subscreverem a “Declaração de Compromisso para Adaptação e Mitigação das Alterações Climáticas nos Serviços de Águas”,4 o que ocorre, simbolicamente, no momento em que se celebra em Estocolmo o 50.º aniversário da primeira reunião internacional sobre “Ambiente”, que aí teve lugar em 1972.
Este “Compromisso”, que visa “impulsionar os esforços necessários para a Adaptação e a Mitigação às Alterações Climáticas, em particular no que se refere aos serviços de águas, para garantia das gerações futuras”, já foi assinado por mais de uma centena de entidades (municipais, intermunicipais, públicas e privadas) em muitas regiões do Continente, estando também previstas sessões públicas com esse objetivo nas Regiões Autónomas dos Açores e Madeira. Diferentes atores públicos e privados do setor desenvolveram nos últimos anos medidas de luta contra as alterações climáticas, expressos em estudos e trabalhos, visando construir medidas que impulsionem a obtenção de eficiência hídrica e outros indicadores recomendados pela ERSAR.
Contudo, para nos adaptarmos eficazmente devemos aplicar o melhor conhecimento e experiência em diagnosticar e prever os impactos que se geram nas disponibilidades de água, tanto em qualidade como em quantidade, e em fenómenos extremos que, aumentando de frequência e intensidade, porão em causa os serviços de abastecimento de água e saneamento. Foi com esses objetivos que foi criada em 2017, a Comissão Especializada de Adaptação às Alterações Climáticas da APDA, onde elementos de organizações representativas de várias regiões do país, desde Entidades Gestoras, Proteção Civil e Academia, debatem este tema e desenvolvem ferramentas de apoio à adaptação por parte do setor. Promovem-se igualmente a implementação de medidas de mitigação, entre as quais se destacam as relacionadas com a economia circular, melhoria da eficiência energética e hídrica, bem como com o aproveitamento dos recursos naturais, para diminuir a pegada de carbono.
O setor dos serviços de abastecimento de água e saneamento pode, no entanto, ir mais longe na sua ação de apoiar, propor e operacionalizar estratégias e medidas para o combate eficaz à emergência climática, como aliás esteve em debate no ENEG 2021 da APDA, em novembro último, no Tivoli Marina Hotel de Vilamoura, com a presença de mais de 1000 participantes e expositores.
De sublinhar também que o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, tem afirmado que a luta contra as “Alterações Climáticas” é seguramente o “grande combate das nossas vidas”, falando em “emergência climática”, quando comenta o estado de incumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), designadamente o número 6, que visa “garantir disponibilidade e gestão de água e saneamento sustentáveis para todos”.
No Prefácio ao Relatório de Situação dos ODS de 2019, referiu, a propósito, que “só com boas políticas, novo pensamento e novos paradigmas se poderão alterar/neutralizar estas tendências”. Acrescentou que “os impactos mais negativos recairão, obviamente, sobre os mais pobres, dependentes da agricultura alimentada pelas chuvas, e vivendo em zonas mais vulneráveis a secas, inundações, águas contaminadas e falta de saneamento básico provocando mais migrações (refugiados da água e da seca) e mais conflitos”. O Secretário-Geral das Nações Unidas acentuou também, de forma clara, que os “custos da inação são (e serão) sempre mais onerosos que os investimentos a realizar” e que na ação futura “no more business as usual”. Sigamos, pois, estas avisadas palavras de António Guterres.

1 Os Nove Limites do Planeta: Centro de Resiliência de Estocolmo – Universidade de Estocolmo
2 GAR Special Report on Drought 2021 – UNDRR Office for Disaster Risk Reduction, November 2021; 6th Climate Change Report of the IPCC, November 2021
3 Maria Fernanda Espinosa: Ex-Ministra do Governo do Equador e Ex-Embaixadora das Nações Unidas para o Ambiente – Expresso, 20 de setembro de 2020
4 Declaração de Compromisso para Adaptação e Mitigação das Alterações Climáticas nos Serviços de Águas” – APDA Website