Tomemos como exemplo a formação contínua que o empregador está obrigado a ministrar a todos os trabalhadores que tenha ao seu serviço. A esmagadora maioria das empresas em Portugal são de cariz familiar, de reduzida dimensão, dedicadas a negócios em que a margem de lucro é mínima; as micro, pequenas e médias empresas. Este espectro é, para o legislador, tratado de forma indiferenciada, face a entidades que podem manter e dispor de um Departamento ou de um Coordenador de Recursos Humanos, meios especializados e vocacionados para a criação de mecanismos e adequação de instrumentos tão pouco utilizados, como um Regulamento Interno ou planos anuais/plurianuais de formação. Existem alguns empregadores que detêm os meios para desenvolver estratégias de implementação e rentabilização eficiente dos recursos utilizados nessa mesma formação. No entanto, representam uma fatia muito reduzida do tecido empresarial. Nestes poucos casos, a formação contínua é uma realidade e uma forma de retorno do investimento, refletindo-se em melhores profissionais, maior competitividade, formações orientadas para o objeto desenvolvido, para o mercado alvo ou para as alterações do segmento em que se inserem. É esta a ratio legis, ou seja, o objetivo do legislador ao impor a formação contínua.
Contudo, a maioria das nossas sociedades comerciais, ou seja, a grande percentagem de empregadores, não detém os meios próprios, nem qualquer apoio interno ou externo para i. selecionar e veicular formação profissional que, em cada ano, perfaça o mínimo de 40 horas por trabalhador; ou ii. rentabilizar efetivamente esse investimento. Trata-se de uma obrigação que pode gerar coimas elevadas em processos de contraordenação por incumprimento de uma norma que, muitas das vezes, as micro, pequenas e médias empresas não estão preparadas para cumprir. Estas não detêm meios próprios nem têm acesso a informação que lhes permita implementar uma formação contínua capaz, rentável e útil, quer para os trabalhadores, quer para as empresas. Como resultado, e à boa maneira portuguesa, é mais uma regra que é ignorada.
O artigo 131.º do Código do Trabalho define, de forma geral e abstrata, o que o legislador impõe a todos os empregadores privados. Refere que, “no âmbito da formação contínua, o empregador deve: a) Promover o desenvolvimento e a adequação da qualificação do trabalhador, tendo em vista melhorar a sua empregabilidade e aumentar a produtividade e a competitividade da empresa; / b) Assegurar a cada trabalhador o direito individual à formação, através de um número mínimo anual de horas de formação, mediante ações desenvolvidas na empresa ou a concessão de tempo para frequência de formação por iniciativa do trabalhador; / c) Organizar a formação na empresa, estruturando planos de formação anuais ou plurianuais e, relativamente a estes, assegurar o direito a informação e consulta dos trabalhadores e dos seus representantes; / d) Reconhecer e valorizar a qualificação adquirida pelo trabalhador.”
Isto é o quê.
Para o como, responde a mesma norma, que a formação “pode ser desenvolvida pelo empregador, por entidade formadora certificada para o efeito ou por estabelecimento de ensino reconhecido pelo ministério competente e dá lugar à emissão de certificado e a registo na Caderneta Individual de Competências nos termos do regime jurídico do Sistema Nacional de Qualificações.”
O quantum é agora ampliado para 40 horas, por ano, por trabalhador.
Permanece o mesmo problema, com um limite mínimo de 40 ou 35 horas de formação contínua, por ano, por trabalhador, obrigação que o legislador criou, mas que se afasta, na maior parte das situações, das reais possibilidades do tecido empresarial português. É um ideal louvável, mas com parca implementação, mormente por falta de recursos e meios próprios.
Continuamos a encontrar neste diploma e em demais legislação laboral avulsa uma diferenciação de critérios, consoante uma empresa empregue até 250 trabalhadores ou mais. Em 2017, existiam em Portugal 944 empresas não financeiras com mais de 250 trabalhadores. No mesmo ano, para empresas do mesmo tipo, existiam 1.242.693 com menos de 10 trabalhadores1. Para a formação contínua não existe na lei qualquer critério diferenciador. A formação contínua de (agora) 40 horas anuais é obrigatória para qualquer empregador, tenha 10, 100 ou 251 trabalhadores. Percebemos, no dia-a-dia, que tal redunda em apenas mais um crédito laboral que as empresas devem suportar em caso de cessação de contrato de trabalho. É raro ver um recibo de contas finais onde não apareça compensação equivalente às horas de formação contínua não ministradas. Trata-se de mais um risco de incumprimento e consequente sanção contraordenacional, isto é, mais uma obrigação, mais um encargo, mais uma regra que qualquer micro, pequena ou média empresa tem de considerar quando projeta determinado negócio, seja uma mercearia local ou uma oficina automóvel. Em comparação, para uma grande empresa, com recursos consideráveis e lucros para investir, 35 ou 40 horas pode ser um limiar mínimo aquém do que podia efetivamente implementar. Aliás, nas grandes empresas, assiste-se recorrentemente a um investimento sério na formação dos seus quadros. O que, não raras vezes, conduz a despesas avultadas com formação profissional extraordinária, que legitima a outorga de pactos de permanência, com o compromisso do trabalhador que implementará, durante um determinado período, a formação que recebeu na atividade que desenvolve. Quando um empregador pode investir na formação dos seus trabalhadores, fá-lo-á, até como forma de aumento da produtividade, e, inerentemente, dos resultados. Gastará cem, com um retorno de mil. Facilmente desenvolve formações internas para todos os trabalhadores, seja com vista à especialização e qualificação, seja sobre temas mais transversais e abrangentes. O investimento em 40 ou mais horas de formação contínua é possível, existindo lucro para investir, é adequado e produz os resultados previstos pelo legislador, existindo recursos para a sua edificação e implementação. Contudo, quantos empregadores em Portugal dispõem de recursos suficientes para o efeito?
Em conclusão – tomando como exemplo a majoração das horas de formação contínua – a alteração legislativa foi aprovada e entrará em vigor a 1 de outubro e, a par das demais que vão mexer com a vida das empresas, mesmo a mercearia que emprega dois trabalhadores e já se desdobra para conseguir gerir turnos, horas de descanso, férias e licenças, terá de veicular 40 horas de formação por ano. Se já não conseguiam articular-se para ministrar 35 horas de formação por ano, para cada trabalhador, a tarefa tornou-se cinco horas mais penosa.
Nestes casos, o que sugerimos, mesmo nas empresas com menor dimensão com que trabalhamos, é que se dedique algum tempo à criação de um regulamento interno ou de um plano de formação. Podem parecer dois conceitos complexos e abstratos, mas a chave está em simplificar. Há que centrar a tarefa no objeto concreto de cada empresa, nas capacidades e habilitações de cada trabalhador ou departamento e nos objetivos definidos. Cada empresa pode otimizar esta obrigação e pode utilizá-la a seu favor, constituindo – mais do que uma obrigação – uma oportunidade de crescimento. Haverá, no entanto, um custo, sobretudo, de tempo: tempo de ponderação e preparação, tempo de implementação e tempo de execução (no mínimo, 40 horas anuais, por trabalhador). Estamos perante uma obrigação e resta-nos orientar a atuação do obrigado ao melhor resultado possível.